16 de março de 2010

No Limiar da Existência: a resposta psicológica a uma situação de crise


Perante uma situação traumática, a relação de equilíbrio mental com os elementos causadores de stress é abruptamente quebrada, provocando nas pessoas um estado psicológico (com duração variável de pessoa para pessoa), no qual estas não conseguem restabelecer as características do equilíbrio pelo qual se moviam anteriormente. Sendo em alguns casos, bastante complexo o processo de reconstrução de um novo equilíbrio, este é possível através das aprendizagens que se retiram da experiência traumática, desenvolvendo-se novas capacidades adaptativas. O novo equilíbrio, quando restabelecido, além de ser mais consistente que o anterior, providenciará à pessoa uma maior segurança para lidar com situações de intenso stress.
A resposta psicológica à situação de crise aparece paralelamente com a resposta física. É típico existir inicialmente uma reacção de choque, de descrença e negação. A mente simplesmente não consegue reconhecer o acontecimento traumático como sendo real, desenvolvendo uma interpretação positiva mas pouco adequada à ameaça existente. De facto, nas situações em que as funções cognitivas parecem estar momentaneamente ausentes, deixa de ser estranho os indivíduos regredirem até estádios de desenvolvimento anteriores, onde a exteriorização de emoções ocupa um papel dominante no funcionamento psicológico.
Após o perigo dos danos físicos poderem ocorrer, o individuo poder-se-á sentir oprimido pela quantidade e desorganização das emoções que manifesta. No entanto, poderemos constatar uma sequência lógica no emergir dessas emoções:
O medo aparece como sendo uma reacção primária relacionada com o processo de regressão. Este pode ser percepcionado devido à perda da autonomia (a habilidade para controlar os impulsos e lidar de uma forma organizada com as situações). Perante uma situação conflituosa ou de risco, o “instinto” avisa que, tendo a pessoa falta de capacidade para combater a situação com que se depara, o medo torna-se o ímpeto para escapar. O medo antecipa o terror, quando as vitimas internalizam o conhecimento de que elas e/ou os seus entes queridos, não irão sobreviver à situação ameaçadora.
Por outro lado a raiva deriva da necessidade de responder agressivamente a uma ameaça através da reacção ao conflito. A raiva que se sente perante as situações frustrantes do dia-a-dia, não se assemelha à que se evidencia nas reacções das vítimas perante uma situação traumática. De facto, a “raiva traumática” é dirigida a alguém ou a algo em particular, que é visto pela vítima como sendo o responsável pela trágica situação (Deus, membros da família, instituições sociais ou até mesmo ela própria). Este tipo de raiva poderá também desencadear uma generalização abusiva nas definições do alvo ao qual esta se dirige (por exemplo, em vez de focar a raiva no ofensor que tem como uma das características, o ser negro, foca a raiva em todos os negros). Tanto o sentimento de raiva, como o sentimento de indignação poderão deixar a vítima num estado de conflito moral, desenvolvendo uma dissonância com os normais sentimentos acerca da humanidade, dissonância essa causadora de sofrimento.
A confusão emerge através da perspectiva inicial formada pela vítima do que aconteceu e em que medida a situação ocorreu. Geralmente, esta perspectiva inicial, é formada através de percepções sensoriais ou pensamentos esporádicos acerca do ocorrido. Raramente a vítima consegue, numa etapa inicial, produzir um raciocínio coerente e com sentido crítico acerca da situação que vivenciou. A confusão antecede a frustração, quando as vítimas pensam que deveriam lembrar-se de vários detalhes da situação com uma simples tentativa. A confusão e frustração podem ainda aumentar de intensidade quando a vítima começa a interrogar-se do porquê daquela situação ter acontecido ou do porquê ter-lhe acontecido a ela.
O sentimento de auto-culpabilização é constituído por emoções de índole cognitiva que resultam da tentativa de responder ao sentimento de confusão, imposto pela situação traumática. É caracterizado essencialmente por se focar nas acções e atitudes que poderiam ter sido desenvolvidas antes de a situação ocorrer e que não foram, visto não haver possibilidade de se prever o futuro. Outro tipo de culpa poderá desenvolver-se pelo facto de se continuar a viver após a situação traumática. As vítimas poderão ser “bombardeadas” por questões internas sobre o facto de elas terem sobrevivido e outros terem morrido, ou pelo facto de terem sofrido a perda de entes queridos e outras pessoas não. Poderão também sentir-se culpadas pela morte de outras pessoas, pelo facto de terem sido “escolhidas” numa operação de salvamento em detrimento de outrem.
A vergonha e humilhação parecem estar directamente relacionadas com o sentimento de culpa, embora tais sentimentos demonstrem a internalização de que as vítimas são responsáveis pela situação e de que, em certa medida, são intrinsecamente mais vulneráveis a tais acontecimentos traumáticos. Muitas vezes, a resposta da comunidade é a de estigmatizar os que vivenciam e demonstram vergonha pela situação que passaram. Muitos testemunhos pessoais de vítimas de situações traumáticas indicam que, o não serem apoiadas pelas pessoas que lhes são próximas, das quais estariam a contar receber qualquer tipo de ajuda, deixou-lhes sequelas bem mais graves do que a própria situação traumática em si.
O desgosto costuma ser a reacção emocional de duração mais longa como resposta à perda traumática. As emoções traumáticas que se originam como resultado de uma situação que é extraordinária na vida da vítima complexificam ainda mais o processo de luto.
O objectivo da reconstrução do equilíbrio da vítima surge com uma rede de apoios eficiente e através de intervenções psicológicas efectivas que “trabalhem” a expressão intensa, e por vezes desorganizada, de emoções. O novo equilíbrio psicológico poderá conter as memórias traumáticas ou espasmos de tristeza, com a diferença, de que os indivíduos aprendam a utilizar as suas capacidades adaptativas de modo a lidarem com este tipo de conteúdo emocional, de forma a auto-actualizarem as suas competências.

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