6 de abril de 2010

22 de março de 2010

Nenhuma forma de violência é legítima!



1 em cada 4 jovens é vítima de violência no namoro são as conclusões de um estudo realizado no ano passado em Portugal com jovens entre os 15 e os 25 anos. No mesmo estudo verificou-se que 20% sofria de violência emocional, 14% de violência física e 30% admitiu ter agredido o parceiro (Caridade e Machado, 2008). 

Sentimo-nos alarmados por estes dados e entendemos que este problema pode e deve ser abordado por vários ângulos. Em primeiro lugar porque a violência conjugal, ou doméstica tende a ser precedida por namoros já violentos. 

O problema da violência no namoro tem acima de tudo a ver com a capacidade de identificarmos em que consiste esta violência que é mais subtil, mas não menos grave, acima de tudo porque se desenvolve entre jovens cuja personalidade está ainda em desenvolvimento, donde, as consequências serão potencialmente mais duradouras. 

Podemos classificar a violência no namoro em três eixos principais: o do controlo (através da restrição da liberdade do outro, tentativas de afastamento do grupo de amigos, controlo do telemóvel, etc.); o do assédio sexual (os “apalpões”, a tentativa de intimidade não consentida, a difusão de rumores sobre a vivência sexual do outro); e o abuso sexual (coacção para a iniciação da vida sexual ou de práticas alternativas). Nenhuma forma de violência é legítima!

É também, absolutamente importante identificar quais os factores de risco para as vítimas e agressores. De um modo geral, a vítima pode apresentar características, tais como: uma idade inferior aos 15 anos, concordar com os papéis tradicionais de que os homens são controladores e as mulheres submissas, encontrar-se nas primeiras relações sexuais, ter sido vítima em relações anteriores, sofrido maus-tratos na infância, relações sexuais ocasionais (nº de parceiros), estatuto sócio-económico baixo, isolamento, baixa auto-estima, depressão e ansiedade. Por outro lado, os agressores apresentam, geralmente, conformidade com os papéis tradicionais, sofreram/presenciaram maus-tratos na infância, foram vítimas de abuso sexual, consomem álcool e drogas, possuem uma índole de hostilidade e impulsividade e um desconhecimento da ilegalidade do acto. Salienta-se que as vítimas, no entanto, podem também chegar a ser agressoras nalgum momento das suas vidas, ou vice-versa, uma vez que estes dois grupos apresentam algumas características em comum. No fundo, dependerá das circunstâncias e eventualmente da forma como se desenrolam as primeiras relações amorosas a decidir se estamos perante uma pessoa que será predominantemente agressora ou vítima.

Também existem factores situacionais que potenciam a violência. Situações essas, geralmente, de consumo de álcool e de droga, em que existe um conhecimento prévio da vítima, um isolamento do contexto, uma actividade sexual consentida anteriormente e uma distorção do grau de interesse da vítima. 

O impacto na vítima de violência é catastrófico: sentimentos de humilhação, ansiedade, depressão, disfunções sexuais, tentativas de suicídio, perturbação de stress pós-traumático, desordens alimentares, baixa auto-estima, auto-percepção nas relações amorosas, entre outros. Nenhuma forma de violência é legítima!

Por tudo isto, é importante prevenir e sensibilizar para a violência no namoro. Existem, no entanto, programas específicos de prevenção que se dividem em três grandes grupos sendo eles: a prevenção primária (destina-se a crianças e jovens pré-adolescentes que nunca tiveram contacto com qualquer tipo de violência), prevenção secundária (para jovens a iniciar a vida amorosa também sem contacto com violência) e prevenção terciária (para pessoas que já foram vítimas de alguma espécie de violência). Realça-se a importância de criar programas, nomeadamente, os que envolvam discussões, workshops, teatro, vídeos, estratégias de resolução de conflitos, treino de assertividade, identificação do risco, treino de comunicação com expectativas sexuais, entre outros. Esta intervenção funciona tanto ao nível da vítima como do agressor, ou seja, visa consciencializar a população juvenil da gravidade e do impacto da violência e, ao mesmo tempo, promover comportamentos não violentos nas relações íntimas, procurando diminuir a probabilidade de os jovens se tornarem, futuramente ofensores ou vítimas. Os grupos de apoio e os observatórios da comunidade escolar também são importantes para combater esta problemática da violência no namoro. 

Globalmente, sabemos hoje que a violência é um ciclo ou se quisermos uma espiral. Se temos violência doméstica, com agressor e vítima dentro do casal, temos provavelmente uma criança que assiste ou é vítima de violência também. Que por vezes é um bullie na sua escola. Escola onde os jovens que namoram hoje serão os pais de amanhã. Nenhuma forma de violência é legítima!


Reportagem SIC - "Amor do Avesso" (01-Junho-2009)


Fotografia em: Deviantart by shattered-ex

19 de março de 2010

As Crianças e a Televisão



A televisão faz parte do mobiliário de casa. Em muitos lares existe mesmo mais que um televisor, ou um para cada membro da família. Este objecto faz parte do dia-a-dia e as pessoas chegam a moldar as suas vidas de acordo com a programação televisiva. Quantos encontros não terão sido desmarcados para ver um jogo de futebol transmitido na televisão ou para ver um episódio daquela telenovela ou série? Algumas vezes a curiosidade que um novo episódio nos suscita fala mais alto do que outras tarefas ou compromissos.

Será que as crianças já não estão também tão familiarizadas com a televisão ou determinado programa, que se torna difícil abandoná-lo? A verdade é que muitas crianças passam grande parte do dia em casa e é nesses momentos que a televisão, que está sempre por perto e com imagens animadas e sons atractivos, se torna uma verdadeira baby-sitter (Pinto, 2002)¹.

A televisão mantém as crianças em casa, afastadas dos perigos da rua, sossegadas e caladas o que, por vezes, para os pais é um verdadeiro alivio. A televisão tornou-se demasiado próxima, cria familiaridade e intimidade com os modelos televisivos, de facto, as crianças imitam-nos constantemente e esta influência quotidiana molda as suas atitudes e comportamentos.

É através da televisão que a criança descobre o mundo e as respostas chegam-lhe através do ecrã mesmo antes de existir a necessidade de formular as questões. Por exemplo, muitas das necessidades alimentares, de vestuário ou brinquedos nascem através da publicidade ou identificação com determinada personagem. 

De facto existe uma preocupação pública relativamente aos efeitos da televisão no desenvolvimento das crianças, nomeadamente no que respeita ao tempo que elas passam a ver televisão, fomentando atitudes e comportamentos de passividade e retirando tempo a outras actividades, como a leitura, tarefas escolares ou diálogo familiar, que poderão levar ao insucesso escolar, problemas de visão, obesidade, etc. 

Mas não são os programas de televisão os responsáveis pelos efeitos que possam ter nas crianças. Importante é sim o contexto em que a criança vê televisão e a relação que estabelece com ela. Cabe aos adultos, principalmente pais e educadores explicar às crianças o que estão a ver na televisão e prepará-los para ver televisão de modo a que não sejam tão vulneráveis aos seus efeitos nocivos.

A actividade televisiva das crianças deve ser controlada em termos de tempos e conteúdos. Os adultos devem fazer a mediação entre as crianças e a televisão, ajudando-as a traduzir e atribuir significado aos conteúdos transmitidos, assistindo aos programas em conjunto com o objectivo de os discutirem e interpretarem, proporcionando às crianças uma compreensão crítica e consciente da televisão. Esta intervenção dos adultos é essencial para reduzir os efeitos negativos da televisão e proporcionar o desenvolvimento das crianças 

A família pode servir-se da televisão para estarem juntos ou para se afastarem. O uso e funções da televisão dependem do contexto em que a actividade televisiva surge, ela pode ser um contributo para a interacção e comunicação, proporcionando novos temas de conversa familiar ou destruí-la, pode gerar conflitos acerca de que programas ver, quem fica com o comando, etc. 

É preciso não esquecer que se pode educar através da televisão, já que esta transmite conteúdos formativos e educativos podendo facilitar a sua compreensão, mas mais importante é educar as crianças para o uso da televisão, formando espectadores conscientes, críticos e activos e que saibam utilizar o que a televisão lhes oferece. 


¹ Pinto, M. (2002). Televisão, Família e Escola. Lisboa: Editorial Presença

17 de março de 2010

Histórias de Vida


No fundo é disso que se trata, histórias de vida, de cada vida partilhada, contada em frases, imagens imaginadas. A psicoterapia é tão só isso. É essa enorme tarefa.

A partir da linguagem, comum porque o olhar do terapêuta assim o permite, apetecia dizer sem mácula, parte-se para um qualquer caminho, o caminho escolhido por quem conta a história. Este aspecto imaculado do olhar e consequentemente da palavra tem origem na técnica que impossibilita o preconceito. Imagine-se um espaço sem preconceitos, sem julgamentos, tendencialmente congruente. Um lugar assim parece feérico, perfeito mas é essa a vontade dos intervenientes e se é essa a Vontade (agora maiúscula) consegue-se, pois que é sinónimo de evolução.

Quando iniciei o meu percurso profissional comecei por estagiar num hospital psiquiátrico onde contactava com doentes marcados por um futuro impossível. Fosse genético, fosse traumático ou fosse lá pelo que fosse, o termo “nada” representava o prognóstico. É claro que na minha posição incipiente o mesmo termo representava igualmente as minhas possibilidades de intervenção.

Quando, aos poucos, foquei o meu olhar ainda imberbe em cada um e procurei resposta num gesto, num som, num riso, muito a medo descobri pessoas em vez de doentes e encontros em vez do meu eterno “nada”.

Daqui parti para os de futuro possível que afinal são todos porque todos têm uma história para contar. Tenha a vida doze anos, tenha a vida oitenta, o seu conteúdo é rico de peripécias, de emoções e sentimentos. É essa importância que que se deve reconhecer.

À história de vida de cada um de nós deve ser dado o lugar universal que merece e é esse espaço que é dado no acompanhamento psicológico. Por uma vez não se é reduzido à história dos outros que geralmente estão mais preocupados com a sua do que com a nossa apesar de termos coisas para dizer. É a insuficiência dos estares diários que levam a pessoa a procurar ajuda, aliás porque o estar torna-se muitas das vezes ser e o pior é que não nos reconhecemos nesses contornos.

Pediu-se ajuda e quase sem se saber como, começa-se a contar uma história, aquela que vale, percepcionada de dentro, vista por dentro, pelas entranhas. A pouco e pouco entre as lágrimas das coisas feias, a gargalhada da caricatura e os risos das memórias boas começa-se a delinear uma linha de continuidade saudável, desfazem-se nós.

A intimidade da consulta permite, como num laboratório, fazer experiências de novas atitudes, novos comportamentos e necessariamente outros afectos porque melhor dirigidos.

Da história de vida faz-se o balanço e o rumo torna-se outro por decisão do próprio, parte-se para outras dúvidas porque dessas não podemos fugir pois que é essa a nossa condição de adultos. Custa-me tanto explicar isso aos meus adolescentes, informá-los que as dúvidas não desaparecem, antes duplicam mas que isso não é mau, é apenas mais complicado. E que é bom viver. Mas disso terei oportunidade de escrever noutra altura.

Por agora fica o meu gosto pelo que faço em tom de apresentação: quanto mais conheço os cães mais gosto de pessoas.

16 de março de 2010

No Limiar da Existência: a resposta psicológica a uma situação de crise


Perante uma situação traumática, a relação de equilíbrio mental com os elementos causadores de stress é abruptamente quebrada, provocando nas pessoas um estado psicológico (com duração variável de pessoa para pessoa), no qual estas não conseguem restabelecer as características do equilíbrio pelo qual se moviam anteriormente. Sendo em alguns casos, bastante complexo o processo de reconstrução de um novo equilíbrio, este é possível através das aprendizagens que se retiram da experiência traumática, desenvolvendo-se novas capacidades adaptativas. O novo equilíbrio, quando restabelecido, além de ser mais consistente que o anterior, providenciará à pessoa uma maior segurança para lidar com situações de intenso stress.
A resposta psicológica à situação de crise aparece paralelamente com a resposta física. É típico existir inicialmente uma reacção de choque, de descrença e negação. A mente simplesmente não consegue reconhecer o acontecimento traumático como sendo real, desenvolvendo uma interpretação positiva mas pouco adequada à ameaça existente. De facto, nas situações em que as funções cognitivas parecem estar momentaneamente ausentes, deixa de ser estranho os indivíduos regredirem até estádios de desenvolvimento anteriores, onde a exteriorização de emoções ocupa um papel dominante no funcionamento psicológico.
Após o perigo dos danos físicos poderem ocorrer, o individuo poder-se-á sentir oprimido pela quantidade e desorganização das emoções que manifesta. No entanto, poderemos constatar uma sequência lógica no emergir dessas emoções:
O medo aparece como sendo uma reacção primária relacionada com o processo de regressão. Este pode ser percepcionado devido à perda da autonomia (a habilidade para controlar os impulsos e lidar de uma forma organizada com as situações). Perante uma situação conflituosa ou de risco, o “instinto” avisa que, tendo a pessoa falta de capacidade para combater a situação com que se depara, o medo torna-se o ímpeto para escapar. O medo antecipa o terror, quando as vitimas internalizam o conhecimento de que elas e/ou os seus entes queridos, não irão sobreviver à situação ameaçadora.
Por outro lado a raiva deriva da necessidade de responder agressivamente a uma ameaça através da reacção ao conflito. A raiva que se sente perante as situações frustrantes do dia-a-dia, não se assemelha à que se evidencia nas reacções das vítimas perante uma situação traumática. De facto, a “raiva traumática” é dirigida a alguém ou a algo em particular, que é visto pela vítima como sendo o responsável pela trágica situação (Deus, membros da família, instituições sociais ou até mesmo ela própria). Este tipo de raiva poderá também desencadear uma generalização abusiva nas definições do alvo ao qual esta se dirige (por exemplo, em vez de focar a raiva no ofensor que tem como uma das características, o ser negro, foca a raiva em todos os negros). Tanto o sentimento de raiva, como o sentimento de indignação poderão deixar a vítima num estado de conflito moral, desenvolvendo uma dissonância com os normais sentimentos acerca da humanidade, dissonância essa causadora de sofrimento.
A confusão emerge através da perspectiva inicial formada pela vítima do que aconteceu e em que medida a situação ocorreu. Geralmente, esta perspectiva inicial, é formada através de percepções sensoriais ou pensamentos esporádicos acerca do ocorrido. Raramente a vítima consegue, numa etapa inicial, produzir um raciocínio coerente e com sentido crítico acerca da situação que vivenciou. A confusão antecede a frustração, quando as vítimas pensam que deveriam lembrar-se de vários detalhes da situação com uma simples tentativa. A confusão e frustração podem ainda aumentar de intensidade quando a vítima começa a interrogar-se do porquê daquela situação ter acontecido ou do porquê ter-lhe acontecido a ela.
O sentimento de auto-culpabilização é constituído por emoções de índole cognitiva que resultam da tentativa de responder ao sentimento de confusão, imposto pela situação traumática. É caracterizado essencialmente por se focar nas acções e atitudes que poderiam ter sido desenvolvidas antes de a situação ocorrer e que não foram, visto não haver possibilidade de se prever o futuro. Outro tipo de culpa poderá desenvolver-se pelo facto de se continuar a viver após a situação traumática. As vítimas poderão ser “bombardeadas” por questões internas sobre o facto de elas terem sobrevivido e outros terem morrido, ou pelo facto de terem sofrido a perda de entes queridos e outras pessoas não. Poderão também sentir-se culpadas pela morte de outras pessoas, pelo facto de terem sido “escolhidas” numa operação de salvamento em detrimento de outrem.
A vergonha e humilhação parecem estar directamente relacionadas com o sentimento de culpa, embora tais sentimentos demonstrem a internalização de que as vítimas são responsáveis pela situação e de que, em certa medida, são intrinsecamente mais vulneráveis a tais acontecimentos traumáticos. Muitas vezes, a resposta da comunidade é a de estigmatizar os que vivenciam e demonstram vergonha pela situação que passaram. Muitos testemunhos pessoais de vítimas de situações traumáticas indicam que, o não serem apoiadas pelas pessoas que lhes são próximas, das quais estariam a contar receber qualquer tipo de ajuda, deixou-lhes sequelas bem mais graves do que a própria situação traumática em si.
O desgosto costuma ser a reacção emocional de duração mais longa como resposta à perda traumática. As emoções traumáticas que se originam como resultado de uma situação que é extraordinária na vida da vítima complexificam ainda mais o processo de luto.
O objectivo da reconstrução do equilíbrio da vítima surge com uma rede de apoios eficiente e através de intervenções psicológicas efectivas que “trabalhem” a expressão intensa, e por vezes desorganizada, de emoções. O novo equilíbrio psicológico poderá conter as memórias traumáticas ou espasmos de tristeza, com a diferença, de que os indivíduos aprendam a utilizar as suas capacidades adaptativas de modo a lidarem com este tipo de conteúdo emocional, de forma a auto-actualizarem as suas competências.