“…de nada servirão estes conselhos se nós ignorarmos o que é
a virtude,
se ela é uma ou múltipla,
se as virtudes são individualizadas ou interdependentes,
se quem possui uma virtude possui também as restantes ou
não,
qual a diferença que existe entre elas…”
Séneca, in 'Cartas a Lucílio'
Se optarmos por separar em dois
momentos históricos o conceito de diagnóstico na área da Psicologia como
ciência, temos um primeiro tipo – o diagnóstico tradicional – definido numa
perspectiva “emprestada” pelas profissões médicas. Este termo refere-se ao
esforço para estabelecer as causas ou condições de uma dada doença e à
descrição do tratamento apropriado. A doença é geralmente categorizada com uma
marca, título, rótulo e a categorização implica o tratamento, sendo este visto
como a essência indicadora e apaziguadora da(s) causa(s) do(s) problema(s) do
individuo. O processo de avaliação psicológica dever-se-ia fazer no sentido de
se procurar uma causalidade interna que por si só explicaria o comportamento
perturbado. Este primeiro momento de diagnóstico que consideramos de
Tradicional, dura essencialmente até à Segunda Guerra Mundial. Neste preciso
período, desenvolve-se uma época de busca por parte do psicólogo de uma
identidade, ou seja, a busca de definição das suas competências, do seu papel e
imagem face às categorias profissionais afins e mais antigas. Recorre-se aos
instrumentos como garantia da prática psicológica, resultando dessa dinâmica,
este período corresponder também à denominada “explosão dos testes
psicológicos”. No entanto, os instrumentos ou técnicas que se utilizam são um
ponto muito frágil para identificar uma profissão.
Este primeiro momento da avaliação
tradicional corresponde também ao diagnóstico em que predominam as etiquetas
com a aceitação incondicional dos resultados dos testes psicológicos, facto que
contribui para a redução do psicólogo à situação de passador de testes. Sendo a
etiquetagem um dos aspectos negativos do diagnóstico, esta representa um perigo
real, em situações interpretadas como:
·
Quando
etiquetamos ou rotulamos um sujeito implicitamente estamos a prendê-lo à sua
situação sendo que isto “enterra definitivamente o sujeito numa condição que à
partida talvez não fosse irreversível”;
·
O
rótulo atribuído tem uma conotação negativa, muitas vezes com efeito semelhante
à doença;
·
As
medidas terapêuticas que são muitas vezes mais discriminativas do que
integrativas. A própria etiquetagem justifica medidas discriminativas que
reforçam a manutenção do sujeito numa situação diferente sendo que este perigo
aumenta quando se avaliam crianças. As crianças evidenciam uma grande
capacidade de plasticidade cerebral e de mudança comportamental, onde
parece-nos evidente que a avaliação psicológica das mesmas deve ser
extremamente sensível e cirúrgica na conclusão de diagnósticos de carácter
permanente, estanque e definitivo.
O diagnóstico tradicional permitiu que
o psicólogo fosse considerado como mero calculador de Q.I.s., sendo que este
exemplo de prática clínica, diagnóstico baseado unicamente no Q.I., é falseado
pois dá-nos uma “quantidade” de inteligência que não tem muita preponderância e
efetividade com a qualidade desta, nem com as variáveis presentes na sua
obtenção e maturação.
Poderemos ver um segundo momento
conceptual da avaliação psicológica definindo esta como uma dinâmica de
avaliação do comportamento do indivíduo como parte integrante da intervenção
com o mesmo, devendo manter-se uma interação harmoniosa e coerente estes dois
processos. Uma vez iniciada a avaliação e, considerando-se possuidor de alguns
dados acerca do sujeito, o psicólogo utilizará estes como ponto de partida para
um melhor conhecimento daquele. A avaliação psicológica e consequentes
conclusões diagnósticas passam a ser um processo continuamente reformulado pelo
feedback estabelecido com o indivíduo, adequando-se cada vez mais à realidade
deste e modificando-se face aos seus progressos. À medida que as avaliações se
tornam mais diferenciadas e mais definidas, promovem-se conceitos interventivos
mais fidedignos de alcançarem verdadeiras respostas terapêuticas em
conveniência do bem-estar do individuo. Surgem, por outro lado, conceitos com
conotações negativas menos intensas. A recusa da etiquetagem na psicologia traduz-se
também no deixar-se de utilizar “obsessivamente” o termo de diagnóstico e
passar-se a uma disciplina de avaliação psicológica funcional e apaziguadora de
rótulos clínicos.
Em Psicologia existe pois a necessidade
de se estudar as modificações e dificuldades de comportamento cognitivo e
ambiental, existindo um crescente interesse para com os aspectos positivos – o
que é mobilizável no sujeito – ou seja, com o que é possível e construtivo
mudar nele. Para o efeito impuseram-se melhorias de rigor científico na
utilização de instrumentos de avaliação psicológica e uma maior interação de
modelos teóricos (revisão profunda dos modelos e suas metodologias);
aperfeiçoamento das técnicas de entrevista e de avaliação informal; e a
avaliação ecológica.
Na psicologia moderna e atual, talvez
seja interessante criar-se um desassossego constante e permanente nesta
discussão clínica sobre a dinâmica de avaliação psicológica, de modo a que ela
tenha sempre no seu horizonte a necessidade de um saber científico cada vez mais
humanizado e multifacetado que promova respostas às afecções e conflitos
psicológicos da sociedade do presente.