5 de fevereiro de 2013

Crise... no conceito de Diagnóstico Psicológico








“…de nada servirão estes conselhos se nós ignorarmos o que é a virtude,
se ela é uma ou múltipla,
se as virtudes são individualizadas ou interdependentes,
se quem possui uma virtude possui também as restantes ou não,
qual a diferença que existe entre elas…”

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'


Se optarmos por separar em dois momentos históricos o conceito de diagnóstico na área da Psicologia como ciência, temos um primeiro tipo – o diagnóstico tradicional – definido numa perspectiva “emprestada” pelas profissões médicas. Este termo refere-se ao esforço para estabelecer as causas ou condições de uma dada doença e à descrição do tratamento apropriado. A doença é geralmente categorizada com uma marca, título, rótulo e a categorização implica o tratamento, sendo este visto como a essência indicadora e apaziguadora da(s) causa(s) do(s) problema(s) do individuo. O processo de avaliação psicológica dever-se-ia fazer no sentido de se procurar uma causalidade interna que por si só explicaria o comportamento perturbado. Este primeiro momento de diagnóstico que consideramos de Tradicional, dura essencialmente até à Segunda Guerra Mundial. Neste preciso período, desenvolve-se uma época de busca por parte do psicólogo de uma identidade, ou seja, a busca de definição das suas competências, do seu papel e imagem face às categorias profissionais afins e mais antigas. Recorre-se aos instrumentos como garantia da prática psicológica, resultando dessa dinâmica, este período corresponder também à denominada “explosão dos testes psicológicos”. No entanto, os instrumentos ou técnicas que se utilizam são um ponto muito frágil para identificar uma profissão.
Este primeiro momento da avaliação tradicional corresponde também ao diagnóstico em que predominam as etiquetas com a aceitação incondicional dos resultados dos testes psicológicos, facto que contribui para a redução do psicólogo à situação de passador de testes. Sendo a etiquetagem um dos aspectos negativos do diagnóstico, esta representa um perigo real, em situações interpretadas como:
·         Quando etiquetamos ou rotulamos um sujeito implicitamente estamos a prendê-lo à sua situação sendo que isto “enterra definitivamente o sujeito numa condição que à partida talvez não fosse irreversível”;
·         O rótulo atribuído tem uma conotação negativa, muitas vezes com efeito semelhante à doença;
·         As medidas terapêuticas que são muitas vezes mais discriminativas do que integrativas. A própria etiquetagem justifica medidas discriminativas que reforçam a manutenção do sujeito numa situação diferente sendo que este perigo aumenta quando se avaliam crianças. As crianças evidenciam uma grande capacidade de plasticidade cerebral e de mudança comportamental, onde parece-nos evidente que a avaliação psicológica das mesmas deve ser extremamente sensível e cirúrgica na conclusão de diagnósticos de carácter permanente, estanque e definitivo.

O diagnóstico tradicional permitiu que o psicólogo fosse considerado como mero calculador de Q.I.s., sendo que este exemplo de prática clínica, diagnóstico baseado unicamente no Q.I., é falseado pois dá-nos uma “quantidade” de inteligência que não tem muita preponderância e efetividade com a qualidade desta, nem com as variáveis presentes na sua obtenção e maturação.
Poderemos ver um segundo momento conceptual da avaliação psicológica definindo esta como uma dinâmica de avaliação do comportamento do indivíduo como parte integrante da intervenção com o mesmo, devendo manter-se uma interação harmoniosa e coerente estes dois processos. Uma vez iniciada a avaliação e, considerando-se possuidor de alguns dados acerca do sujeito, o psicólogo utilizará estes como ponto de partida para um melhor conhecimento daquele. A avaliação psicológica e consequentes conclusões diagnósticas passam a ser um processo continuamente reformulado pelo feedback estabelecido com o indivíduo, adequando-se cada vez mais à realidade deste e modificando-se face aos seus progressos. À medida que as avaliações se tornam mais diferenciadas e mais definidas, promovem-se conceitos interventivos mais fidedignos de alcançarem verdadeiras respostas terapêuticas em conveniência do bem-estar do individuo. Surgem, por outro lado, conceitos com conotações negativas menos intensas. A recusa da etiquetagem na psicologia traduz-se também no deixar-se de utilizar “obsessivamente” o termo de diagnóstico e passar-se a uma disciplina de avaliação psicológica funcional e apaziguadora de rótulos clínicos.
Em Psicologia existe pois a necessidade de se estudar as modificações e dificuldades de comportamento cognitivo e ambiental, existindo um crescente interesse para com os aspectos positivos – o que é mobilizável no sujeito – ou seja, com o que é possível e construtivo mudar nele. Para o efeito impuseram-se melhorias de rigor científico na utilização de instrumentos de avaliação psicológica e uma maior interação de modelos teóricos (revisão profunda dos modelos e suas metodologias); aperfeiçoamento das técnicas de entrevista e de avaliação informal; e a avaliação ecológica.
Na psicologia moderna e atual, talvez seja interessante criar-se um desassossego constante e permanente nesta discussão clínica sobre a dinâmica de avaliação psicológica, de modo a que ela tenha sempre no seu horizonte a necessidade de um saber científico cada vez mais humanizado e multifacetado que promova respostas às afecções e conflitos psicológicos da sociedade do presente.