“Há
pessoas desagradáveis apesar das suas qualidades
e
outras encantadoras apesar dos seus defeitos.”
François La Rochefoucauld.
Neste pequeno texto irei tentar
conduzir o leitor pelo complexo mundo da ansiedade social, esperando conseguir
esclarecê-lo e sensibilizá-lo para uma realidade vivida por muitos.
Perante situações stressantes
ou que provoquem ansiedade, é desencadeada uma resposta ansiosa que faz parte
do sistema adaptativo de sobrevivência. Já todos nós vivemos alguma situação
que nos tenha despoletado nervosismo, tensão e ansiedade, a qual, por sua vez,
irá provocar uma reação no nosso corpo. Por vezes experimentamos tremores,
sudação, urgência de micção, rubor e outros sintomas somáticos que são
respostas adaptativas que remetem aos primórdios da existência humana e que
ajudavam à sobrevivência numa era em que o perigo se encontrava ao virar de
cada esquina.
A ansiedade desempenha
importantes funções quando em pequenas doses, mas se se prolongar no tempo ou
atingir níveis elevados pode acarretar diversos problemas. A Ansiedade Social é
experimentada em situações sociais, na interação com outras pessoas, tanto
hierarquicamente tidas como superiores, como em contextos sociais que envolvam
um determinado número de indivíduos. Em casos mais extremos pode levar ao
evitamento de determinadas situações sociais e, consequentemente, ao isolamento
social.
O receio de ser avaliado
negativamente pelos outros, de parecer ridículo, desajeitado, de sentir que não
se está à altura de uma determinada situação, ou de ver o seu estatuto social
diminuído, desencadeia graus elevados de desconforto e medo, limitando
severamente a vida diária de quem sofre deste tipo de ansiedade. Situações
aparentemente triviais tornam-se desconfortáveis devido a um estado permanente
de vigilância, avaliação e comparação com os demais na tentativa de se
protegerem de avaliações negativas pelos outros.
O foco da ansiedade social é o
desejo de transmitir aos outros uma impressão favorável de si mesmo, combinado
de uma grande insegurança acerca da sua capacidade para o conseguir.
Quando confrontados com
situações sociais que os indivíduos com Ansiedade Social interpretam como
ameaçadoras ou perigosas são ativados alguns sintomas somáticos e cognitivos,
que podem incluir tremor, rubor, taquicardia, sudação, palpitações cardíacas, pensamentos
avaliativos negativos, dificuldades de concentração ou “vazio mental”. Por sua
vez, estes sintomas podem ser reinterpretados como uma nova ameaça, criando um
ciclo vicioso que mantém ou amplifica ainda mais a ansiedade.
Nestas situações interpretadas
como ameaçadoras, os indivíduos com Ansiedade Social desenvolvem uma atenção
auto-focada, centrando-se na observação e monitorização de si mesmos. Esta
atenção tem um efeito intensificador da perceção das sensações corporais,
tornando mais consistente e intensificando os sintomas somáticos e cognitivos
de ansiedade já existentes. Para além disto, apresenta um efeito de
interferência no processamento dos estímulos originados na situação social,
levando a que a pessoa processe deficitariamente os sinais de comunicação
emitidos pelos outros.
A informação interoceptiva (que
é originada no organismo como é exemplo a sudação) intensificada pela atenção
auto-focada, é utilizada para criar uma imagem de si mesmo, que assume
corresponder ou refletir a forma como os demais o vêem ou pensam acerca dele.
Uma pessoa com Ansiedade Social centra preferencialmente a sua atenção nos
sinais somáticos e cognitivos da ansiedade que está a sentir, construindo uma
imagem (normalmente, negativa e distorcida) de si que assume automaticamente
ser a impressão que os outros têm dele.
A Ansiedade Social é,
usualmente, acompanhada de comportamentos de segurança que ajudam à sua
manutenção. Quando confrontados com uma situação social percecionada como
ameaçadora, pessoas com Ansiedade Social tendem a utilizar um conjunto de
comportamentos através dos quais procuram diminuir o sentimento de ameaça e
ansiedade, bem como o risco de serem avaliados negativamente. Muitas vezes, por
exemplo, tentam evitar atrair a atenção para si, verificam ou controlam
cuidadosamente o que vão dizer ou evitam o contacto visual.
A possibilidade destas pessoas
terem experiências sociais realmente novas e que possam desconfirmar o seu
receio de ser avaliada negativamente fica desta forma reduzida, condenando-a à
repetição de ciclos interpessoais rígidos que mantém a Ansiedade. Um aspeto,
frequentemente, observado na Ansiedade Social é a manutenção do receio de uma
avaliação negativa pelos demais apesar das experiências sociais que
aparentemente deveriam desconfirmar esse receio, assim como, o benefício
limitado que muitos desses indivíduos retiram de exercícios de exposição.
A Ansiedade Social,
normalmente, surge acompanhada pela ansiedade antecipatória e o processamento
pós-situação. As pessoas com Ansiedade Social tendem a antecipar uma situação
social receada e antever em detalhe o que poderá acontecer nessa mesma
situação. Quando iniciam esta antecipação ficam ansiosos e os seus pensamentos
são dominados por memórias dos seus fracassos em situações sociais anteriores,
imagens negativas de si na situação e pensamentos automáticos de insucesso.
Usualmente, estas pessoas ao
tentarem diminuir o receio de avaliação negativa pelos outros, antecipando
detalhadamente o que poderá ocorrer na situação social, geram um conjunto de
processos cognitivos que vão aumentar a sua ansiedade e contribuir para um
funcionamento social pouco eficiente, o que, por sua vez, contribui para a
manutenção da Ansiedade Social.
Se a Ansiedade Social diminui
habitualmente ao sair ou terminar a situação de interação, as pessoas com esta
perturbação descrevem um sentimento de humilhação ou vergonha que persiste por
um longo período de tempo após a situação social. Este sentimento de vergonha
parece estar associado à tendência para a realização da “autópsia” da situação,
revendo com detalhe tudo aquilo que aconteceu na mesma. Apesar do objetivo
desta “autópsia” ser o de tranquilizar o receio de ter sido avaliado
negativamente, o seu resultado é inverso e a “autópsia” aumenta o sentimento de
humilhação e inadequação social.
Na Ansiedade Social são
desenvolvidos auto-esquemas, ou seja crenças acerca de si, de ineficácia e
inaptidão para lidar com situações sociais e de suposições rígidas e
disfuncionais acerca do que deve ser um comportamento social adequado.
Em suma, indivíduos com
Ansiedade Social interpretam as situações sociais como ameaçadoras, distorcem
negativamente a avaliação do seu desempenho social e avaliam erroneamente, e de
forma excessiva, a visibilidade dos sintomas da sua ansiedade pelos outros.
A Ansiedade Social causa um
grande sofrimento a quem apresenta estes sintomas, mas com a devida ajuda
especializada consegue ser tratada.
Para se poder ser membro irrepreensível dum rebanho de
carneiros é preciso,
antes de mais nada, ser-se carneiro.
Albert Einstein.