“É um péssimo cozinheiro aquele que não pode lamber os próprios dedos.”
(William Shakespeare)
Quantos de nós ao recordarmos com ternura um
cheiro ou um sabor somos levados de volta para aquela memória doce da nossa
infância? O aroma do bolo quentinho da nossa mãe ou avó a sair do forno, o
cheiro da panela ao lume, o calor da cozinha que nos aquecia a alma. Ou aquele
prato preferido que nos deliciava e nos enchia os olhos, a barriga e,
sobretudo, o coração.
Na azáfama da nossa vida, no ritmo acelerado em
que ela se reproduz, entre trabalho e rotinas, entre tarefas diárias que não
podem ser deixadas para amanhã, deixamos de ter tempo de qualidade para nós e,
irrevogavelmente, para os nossos filhos. Fazemos tudo depressa demais, sem
parar para sentir e saborear o momento.
Ao usar as palavras “sentir” e “saborear” não as escrevo em
vão, talvez por me ser algo tão íntimo, vejo a cozinha como uma aliada na
vivência de momentos felizes em família. Pense na sua cozinha! As crianças ficam
fascinadas com tudo o que por lá encontram. Um misterioso mundo começa quando
as crianças entram por aquela porta: tachos e panelas, recipientes grandes e
pequenos, uma interminável amostra de especiarias e utensílios, alimentos de
todas as cores e cheiros que lhe enchem o nariz de curiosidade. É talvez o
lugar da casa mais apetecível de explorar, onde eles anseiam serem exploradores
por conta própria e partir à descoberta de cada recanto daquela divisão que
tanto os cativa.
Já pensou
levar o seu filho para a cozinha? Sim, irá precisar de tempo, de uma dose extra
de paciência e, certamente, a cozinha irá pedir uma limpeza no final. Faz
parte, mesmo com todo o cuidado, haverá farinha que se espalha, leite que se
derrama, especiarias pelo chão. Mas a essência da cozinha é isto mesmo, é mexer
com as mãos, descobrir novos cheiros, sabores, cores e texturas. É inventar e
cozinhar com todos os sentidos que o nosso corpo nos permite ter. Citando
William Shakespeare “é um péssimo
cozinheiro aquele que não pode lamber os próprios dedos”, e as crianças,
inicialmente, necessitam de sujar-se, lambuzar-se, provar e meter a mão para
sentir as texturas e descobrir um mundo infindável de sabores. Haverá algo mais
irresistível do que o prazer de colocar o dedo na massa do bolo e provar?!
Nunca é cedo nem tarde demais para deixar a
pequenada pôr as mãos na massa, especialmente porque cozinhar com as crianças é
passarem tempo de qualidade juntos, aprenderem e divertirem-se.
Descontração, paciência, tempo e criatividade
são ingredientes essenciais que misturados delicadamente e envolvidos, com uma
dose de amor, resultam em deliciosos hábitos para toda a família.
Fortificar a relação com a comida, ensinar o
nome de cada alimento e a sua importância, aprender como usar da melhor forma
os legumes e a fruta, estar em contacto com novos alimentos incentiva a criança
a provar e a criar novos hábitos alimentares, permitindo aumentar e educar o
paladar. Além disso ao envolvê-las desde cedo na preparação das refeições, na
escolha da receita, na organização dos ingredientes e do material necessário
para a sua realização facilita o desenvolvimento de valores como a organização
e a responsabilidade.
Entre panelas e fogões as crianças aprendem
muito! O tempo passado na cozinha é, em simultâneo, uma escola onde a
aprendizagem se encontra agradavelmente disfarçada. As crianças aprendem
valores necessários para o seu desenvolvimento psicológico como a autonomia, a
autoestima, a concentração, a criatividade, o valor de colaborar nas tarefas e
a importância de as realizar até ao fim, desenvolvem a sua destreza manual e
permite trabalhar a motivação da criança para o conhecimento, a descoberta, o
trabalho em equipa e o saber esperar. Realmente cozinhar requer muita paciência
e disciplina: seguir a receita e respeitar as suas instruções, selecionar os
ingredientes e os utensílios necessários, esperar que a massa esteja bem mexida
e envolvida ou que um bolo coza, ou que arrefeça para ser degustado.
Na cozinha as crianças trabalham e desenvolvem
competências imprescindíveis em quase todas as áreas do conhecimento. Aprendem
mais sobre a matemática, quando contam ou pesam um ingrediente ou calculam o
tempo para o prato ficar pronto. Será uma forma engraçada de aprender a contar
ou aperfeiçoar os conhecimentos dos números, medidas e quantidades.
Aprendem mais sobre o português, através da leitura das
receitas, que lhes permite praticar e conhecer novas palavras.
Aprendem mais sobre a ciência, ao descobrirem a origem dos
alimentos e dos seus benefícios e ao criarem e verificarem como os alimentos se
transformam.
Aprendem mais sobre cultura, as receitas são, muitas das
vezes, uma viagem pelo mundo e uma forma engraçada de entrar na cozinha de
outros povos, abrindo caminho para conversar sobre costumes, tradições, línguas
e paladares diferentes.
O leque de
conhecimento que descobrirá é interminável. Quando a criança demonstrar alguma
habilidade manual para manipular os alimentos e conseguir compreender e executar
instruções, será o momento ideal para os inserir no mundo da culinária.
Comece com receitas pequenas, simples e
acessíveis, tendo em conta a sua idade e o grau de exigência. As tarefas devem
ser, de forma clara, adaptadas ao desenvolvimento de cada criança e é crucial a
valorização das suas capacidades. Os mais pequenos podem lavar a fruta e os
vegetais, misturar os alimentos com uma colher como as massas leves ou
permita-lhes envolver a fruta e o iogurte, passar os alimentos de um recipiente
para o outro com a mão ou a colher, decorar bolos, cortar a massa de bolachas
em formas diferentes. Os mais crescidos podem cortar fruta e vegetais, partir e
bater os ovos, medir os diferentes ingredientes, misturar os alimentos, barrar
os bolos com uma cobertura, ler as receitas em voz alta.
A cozinha
será um recanto onde viverá momentos memoráveis com o seu filho. Coloquem o
avental, um chapéu de cozinheiro e desfrutem do prazer de criarem algo juntos.
No fim, elogie muito, partilhem as emoções desse
dia e pare, sinta e saboreie o momento.
Retificação:
Nos últimos artigos, por lapso nosso, não foram incluídos os nomes das
colaboradoras Adelaide Ruivinho e Juliana Martins. Aos leitores e às visadas o
nosso pedido de desculpas. P’lo NEIP.