“Se
penetrássemos o sentido da vida
seríamos
menos miseráveis.”
Florbela
Espanca
A
principal forma de sobreviver ao sofrimento é dando-lhe um sentido.
Todas as vidas são em determinado momento marcadas pela dor. Apesar
disso nem todas as pessoas desenvolvem doenças mentais derivadas
desses traumas.
É
relativamente fácil detectar os factores que podem ter levado uma
pessoa a deprimir-se ou a desenvolver outra doença mental. Se
conhecermos ou dedicarmos algum tempo a conversar com essa pessoa,
saberemos explicar com relativa clareza aquilo que a levou àquele
ponto. A própria pessoa normalmente também o sabe.
O
verdadeiro desafio para quem apoia não é o diagnóstico, mas sim o
caminho da recuperação. Sobre isso sabemos todos pouco. Por isso,
procuramos nas ciências psicológicas, compreender os meandros não
só da doença mas também da saúde. O que leva a que uma pessoa,
perante inúmeros problemas não desenvolva a depressão óbvia?
Essa
questão foi colocada de forma muito pertinente por aqueles que
estudaram os sobreviventes dos campos de concentração, exemplo
paradigmático de outros tantos horrores da nossa história.
Como
é que seres humanos que viveram em condições de degradação total
da sua dignidade conseguiram sobreviver? Como é que foi possível
para alguns não desenvolverem doenças mentais crónicas?
Vitor
Frankl viveu enquanto psicanalista uma experiência única.
Sobreviveu a Auschwitz, e contou-nos como o fez, no seu livro "O
homem em busca de um sentido", que escreveu em 9 dias. Em
determinado momento conta-nos que se imaginou anos depois de sair do
campo a dar palestras sobre aquilo que tinha vivido e a ensinar os
seus alunos sobre a terapia por ele desenvolvida. Em suma, encontrou
no seu sofrimento um significado. Uma missão. Compreendeu-se que o
sentido da vida é uma das necessidades do ser humano.
Este
é um dos marcos da psicologia humanista -existencialista. Se na dor
mais profunda, compreendermos o sentido da nossa existência é quase
certo que poderemos sobreviver. Para alguns, a religião cumpre essa
função de dar um sentido à vida de cada um. Porém esse sentimento
tem de ser alimentado a partir do interior. Para cada um é
necessário que a vida faça sentido, seja coerente, compreensível e
tanto quanto possível significante.
Por
vezes encontramos pessoas em crise existencial. Não estão
necessariamente doentes, mas estão insatisfeitas sem motivo
aparente. Teriam tudo, aos nossos olhos, para serem felizes. Saúde,
família, trabalho, casa e carro mas, no entanto, não estão bem.
Não conseguem encontrar um motivo para viver.
Já
aqui o escrevemos que não basta com ter. É necessário procurar
esse motivo dentro de nós, na nossa história e no nosso presente e,
por vezes, recomeçar tudo de novo.
Só
assim é se explica que milhões de pessoas atravessem meio mundo a
pé, com os filhos ao colo. Só assim é possível levantarmo-nos
depois de perdermos tudo, incluindo, a nossa família. Só assim
teremos uma hipótese de sobreviver.
*
Ilustração feita por João Estevão – Projecto Escolhas Vivas
(VRSA)