5 de novembro de 2015

Procurar um Sentido

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 “Se penetrássemos o sentido da vida
seríamos menos miseráveis.”
Florbela Espanca


A principal forma de sobreviver ao sofrimento é dando-lhe um sentido. Todas as vidas são em determinado momento marcadas pela dor. Apesar disso nem todas as pessoas desenvolvem doenças mentais derivadas desses traumas.
É relativamente fácil detectar os factores que podem ter levado uma pessoa a deprimir-se ou a desenvolver outra doença mental. Se conhecermos ou dedicarmos algum tempo a conversar com essa pessoa, saberemos explicar com relativa clareza aquilo que a levou àquele ponto. A própria pessoa normalmente também o sabe.
O verdadeiro desafio para quem apoia não é o diagnóstico, mas sim o caminho da recuperação. Sobre isso sabemos todos pouco. Por isso, procuramos nas ciências psicológicas, compreender os meandros não só da doença mas também da saúde. O que leva a que uma pessoa, perante inúmeros problemas não desenvolva a depressão óbvia?
Essa questão foi colocada de forma muito pertinente por aqueles que estudaram os sobreviventes dos campos de concentração, exemplo paradigmático de outros tantos horrores da nossa história.
Como é que seres humanos que viveram em condições de degradação total da sua dignidade conseguiram sobreviver? Como é que foi possível para alguns não desenvolverem doenças mentais crónicas?
Vitor Frankl viveu enquanto psicanalista uma experiência única. Sobreviveu a Auschwitz, e contou-nos como o fez, no seu livro "O homem em busca de um sentido", que escreveu em 9 dias. Em determinado momento conta-nos que se imaginou anos depois de sair do campo a dar palestras sobre aquilo que tinha vivido e a ensinar os seus alunos sobre a terapia por ele desenvolvida. Em suma, encontrou no seu sofrimento um significado. Uma missão. Compreendeu-se que o sentido da vida é uma das necessidades do ser humano.
Este é um dos marcos da psicologia humanista -existencialista. Se na dor mais profunda, compreendermos o sentido da nossa existência é quase certo que poderemos sobreviver. Para alguns, a religião cumpre essa função de dar um sentido à vida de cada um. Porém esse sentimento tem de ser alimentado a partir do interior. Para cada um é necessário que a vida faça sentido, seja coerente, compreensível e tanto quanto possível significante.
Por vezes encontramos pessoas em crise existencial. Não estão necessariamente doentes, mas estão insatisfeitas sem motivo aparente. Teriam tudo, aos nossos olhos, para serem felizes. Saúde, família, trabalho, casa e carro mas, no entanto, não estão bem. Não conseguem encontrar um motivo para viver.
Já aqui o escrevemos que não basta com ter. É necessário procurar esse motivo dentro de nós, na nossa história e no nosso presente e, por vezes, recomeçar tudo de novo.

Só assim é se explica que milhões de pessoas atravessem meio mundo a pé, com os filhos ao colo. Só assim é possível levantarmo-nos depois de perdermos tudo, incluindo, a nossa família. Só assim teremos uma hipótese de sobreviver.

* Ilustração feita por João Estevão – Projecto Escolhas Vivas (VRSA)