1 de abril de 2013

Os brinquedos e o brincar




“Eu queria ser astronauta, o meu país não deixou.
Depois quis ir jogar à bola, a minha mãe não deixou.
(...)
Oh meu anjo da guarda, faz-me voltar a sonhar,
Faz-me ser astronauta, e VOAR....”
Tim - Voar




Nos tempos que correm, os pais parecem obcecados pelo sucesso escolar dos filhos, o que não é de admirar se pensarmos na competitividade do meio profissional, no desemprego e na sociedade de consumo em que vivemos. A estes fatores podemos acrescentar a quantidade de atividades extracurriculares que as crianças frequentam como forma de desenvolver aptidões necessárias para terem um “futuro promissor”, pais que trabalham muitas vezes até tarde, e quando estão em casa ao fim do dia, crianças que ficam expostas a canais de televisão onde são bombardeadas com uma programação vinte e quatro horas com inúmeros estímulos de consumismo e informações inadequadas e que muitas vezes substitui o lugar do brincar. Este brincar fica quase sempre adiado para o fim-de-semana. E brincar só ao fim-de-semana não é brincar... 


Os pais, muitas vezes sem se aperceberem, e focados neste sucesso escolar para os ajudar a vir a ser alguém, esquecem-se de uma coisa fundamental: as crianças precisam de brincar, de perder horas infinitas a fazer aquilo que realmente lhes apetece e que gostam, mas que muitas vezes desconhecem. Talvez poucos pais saibam o quanto é importante o brincar para o desenvolvimento físico e psíquico do seu filho. Muitos pais têm ideia que o ato de brincar se limita a um simples passatempo, sem funções mais importantes que entreter a criança em atividades divertidas.


A brincadeira tem como função favorecer a autoestima, possibilitar o desenvolvimento da linguagem oral e gestual, ajudar na elaboração dos sentimentos e na construção de regras sociais. Enquanto brincam, as crianças assumem diferentes papéis sociais que podem proporcionar o estabelecimento de vínculos, de relações e uma interiorização de modelos e valores dos adultos. Além disso, a brincadeira possibilita o desenvolvimento da identidade e da autonomia. Ao perceberem as diferentes formas de pensar e de agir, podem comparar aquilo que é seu e aquilo que é do outro, tendo a possibilidade de incluir essas semelhanças e diferenças na construção de sua personalidade.


Os pais deverão ser aqui os elementos promotores desta integração da criança na brincadeira. Surge muitas vezes aqui uma preocupação dos pais em encontrar quais os brinquedos mais didáticos e adequados que podem comprar para os filhos, quais os que os vão fazer ficar mais inteligentes que os outros meninos.


Esta questão é muito simples e sem custos. Uma boa brincadeira não exige nada de muito dispendioso ou sofisticado. Mesmo durante a rotina da vida diária de uma família, existem muitas oportunidades para brincar e estimular o pensamento das crianças e para torná-las mais confiantes (por exemplo na hora do banho podem ser organizadas brincadeiras com brinquedos, bolinhas de sabão, etc.). 


A melhor fonte de aprendizagem são pais dispostos a partilhar experiências com as crianças. Quando os pais passam tempo a brincar com os filhos, eles sentem-se valorizados e têm nesses pais um modelo muito importante para as competências e atitudes que o brincar pode proporcionar: negociação, trocas de vez, limites, tomada de decisões, entre outros. A maneira como os pais reagem às brincadeiras está intimamente ligada ao prazer que as crianças retiram delas.


E quando falamos em brincar com o seu filho, isso significa brincar mesmo, de verdade. Têm que se sentar no chão e mergulhar no mundo das crianças. Têm que ser capazes de brincar com as almofadas, com caixas de cartão, com os dedos, transformar um bocado de madeira num cavalo. Porque mais importante que o brinquedo é o que se pode fazer com ele.


Os pais que sugerirem uma brincadeira ao filho, não devem tentar impor a sua vontade, dizendo-lhe que era mais giro se ele fizesse assim ou assado, ou ainda serem os pais a fazer tudo sozinhos. A criança terá muito mais orgulho nos biscoitos defeituosos que ajudou a mãe a fazer ou na torre pouco equilibrada que fez com as próprias mãos do que uma grande obra de arte, toda perfeitinha, feita pelos pais.


Às vezes os pais “dão” o brinquedo à criança na tentativa de que ele adulto possa brincar. Assim, é o pai ou a mãe que estão a conduzir a brincadeira, zangando-se se a criança descobriu outra forma de jogar ou de brincar que não a que os pais tentaram impor, não permitindo muitas vezes a espontaneidade, a manipulação criativa, a exploração e o prazer.


E não se preocupem se o vosso filho não tem um “quarto-museu”. Ter espalhados cubos, puzzles ou blocos coloridos na hora de brincar são um passaporte para que a criança venha a estar entre os primeiros da turma, pois estes brinquedos para construir estimulam a criatividade da criança, uma vez que se podem transformar em inúmeras coisas diferentes. As crianças têm direito a desarrumar todos os brinquedos (e de seguida arrumá-los à maneira deles).


Os brinquedos com funções muito limitadas, além de pouco apelativos, despertam o interesse das crianças durante muito menos tempo. Uma caixa cheia de areia, uma bisnaga, material para pintar e papel, plasticina e roupas velhas com que possam inventar máscaras e personagens estimulam a imaginação e são muito mais baratos.


É importante ainda que a criança possa brincar sozinha mas também em grupo, preferencialmente com crianças da mesma idade. Assim, ela tem a possibilidade de ampliar a consciência de si mesma, pois fica a saber como ela é num grupo que é mais permissivo, noutro mais agressivo, num que é líder ou noutro em que é liderada. Lidando com estas diferenças, a criança aumenta o seu leque de vivências e de conhecimentos.


Poder brincar é um processo terapêutico, brinca-se com o que não se pode entender, brinca-se para se poder entender melhor e brinca-se para dar novos significados às coisas. Na brincadeira, a criança estimula-se cognitivamente, socialmente e afetivamente. E porque “não há crianças se não houver brincar”.