Há
bastantes anos, o desafio que se colocava sobre os filhos dos pais divorciados
era o receio de que a circunstância intrínseca de ter os pais separados os
atirasse para uma espiral de infelicidade, de rebeldia e de falta de valores familiares.
Hoje em dia, este mito foi ultrapassado e progressivamente assistiu-se a uma
assimilação social e jurídica do divórcio, simplificando-o e desburocratizando
o processo, eliminando até a noção de culpa das partes. No fundo, permitindo
que quando o casamento não cumpre as funções pretendidas, os cônjuges se possam
libertar e evitar conflitos desnecessários.
Nos
casais com filhos a simplificação do divórcio não tem impacto pretendido
porquanto a regulação das responsabilidades parentais acarreta a necessidade de
um entendimento entre os pais, para benefício dos filhos, e esse acordo nem
sempre é conseguido pela via extrajudicial.
Aquando
da consumação da separação dos progenitores da criança, a lei portuguesa estabelece
que se deve proceder à regulação das responsabilidades parentais. Entende-se
por responsabilidades parentais a capacidade de partilhar as tarefas da
parentalidade, bem como à definição da guarda de facto das crianças e a
regulação do convívio com o progenitor com quem a criança não coabita.
A
guarda conjunta ou a responsabilidade parental partilhada é, ainda hoje,
residual. No início dos anos 80, nos Estados Unidos da América foi considerado
sexista atribuir a guarda dos filhos à mãe. Na verdade, em Portugal, apesar de
algumas tentativas, essa ainda é a tendência dominante, em caso de dúvida ou de
igualdade de condições. Por outro lado, a noção de culpa no divórcio (só
recentemente removida) foi permitindo que este se transformasse numa disputa com
vencedor e vencido. Os filhos têm vindo a fazer parte das negociações e
chantagens que se dão na divisão de bens, de forma sistemática. É geralmente
nestes quadros pós-divórcio, em que os pais confundem o seu conflito com o
papel parental que desempenham, que muitas das tarefas da parentalidade se vêm
comprometidas.
Steinemann (1983) divide os casais em fase de
separação em 3 grupos: O grupo A diz respeito aos “pais com sucesso” que
conseguem separar claramente o seu conflito conjugal do seu papel parental e
que desejam proteger os filhos do sofrimento, não os imiscuindo no processo de
separação. Os pais do grupo C são “pais que falham”, oriundos de
famílias já bastante desorganizadas antes da separação, com confusão de papéis
e que na sua maioria vão envolver completamente os filhos no processo de
separação. O grupo B (onde se situam a maioria das situações) é o dos “pais
desorientados e ambivalentes”, isto é aqueles que se encontram sob um nível
de stress muito elevado e que, não
sabendo exactamente as decisões que devem tomar, beneficiariam do apoio da
família alargado e de profissionais.
Aquando
do divórcio dos pais, as crianças tendem a manifestar alguma rejeição parental,
considerada adaptativa face ao processo de reestruturação familiar e que
geralmente é transitória. Alguns exemplos disso são ansiedade de separação,
desagrado face aos novos companheiros dos pais e dos filhos destes, desagrado
face às regras mais rígidas na casa de um dos progenitores, desagrado pela
necessidade de alternar entre casas, entre outros. Todavia no caso de
conflitualidade elevada entre os progenitores o risco psicológico torna-se
maior, quer a curto quer a médio e longo prazo e é aqui que se inscreve, do
ponto de vista fenomenológico, a Alienação Parental.
No
âmbito dos divórcios conflituosos, a Alienação Parental surge como a criação de
uma relação exclusiva entre o progenitor que tem a guarda e a criança no
sentido de afastar o outro progenitor.
Este fenómeno foi descrito pela primeira vez por Gardner nos anos 80,
mas parece existir desde que existem divórcios e/ou disputas pela guarda de
filhos menores.
Nestas
situações começamos por verificar uma recusa inicialmente por parte do
progenitor quem tem a guarda em cumprir aquilo que foi combinado ao nível das
visitas e dos contactos da a criança com o outro progenitor. Surge também uma
campanha de descrédito e injúrias acerca desse progenitor junto da criança. São
então utilizados todos os recursos legais para tentar adiar o processo de
visitas e pernoitas junto do progenitor que não tem a guarda.
Com
o evoluir da situação e se não for adequadamente a criança começa a
interiorizar este processo e começa a ser ela própria a denegrir o progenitor e
a não querer passar tempo com este.
Geralmente
este processo atinge o seu expoente máximo quando surgem acusações falsas de
abuso sexual e estas dão entrada em tribunal com o objectivo de suspender
definitivamente as visitas.
Este
processo levado a cabo por progenitores que instrumentalizam as suas crianças
como forma de atacar o ex-cônjuge tem um forte impacto nas crianças. No curto
prazo predomina a ansiedade de separação, a identificação patológica com o
progenitor alienador, regressões no desenvolvimento, passando por um
empobrecimento da vida social, com défices de auto-estima e no controlo dos
impulsos e baixo nível de resistência à frustração. A longo prazo, os efeitos
não foram ainda suficientemente estudados mas os relatos de adultos que foram
vitimizados por este fenómeno quando crianças são, no mínimo, inquietantes.
Concluindo,
e para impedir que estas situações se materializam e consolidem como conflitos
permanentes, estes sim traumatizantes, será importante que muitos dos pais
desorientados e ambivalentes procurem o apoio da mediação familiar, antes de tornarem
patológico o processo de regulação das responsabilidades parentais. A
intervenção atempada de técnicos com a formação adequada poderá reverter o
processo e impedir que a alienação parental se concretize.
Como vimos inicialmente, existe uma linha ténue,
entre aquelas famílias que perante a situação de crise conseguem organizar-se,
com o aconselhamento profissional, na defesa da melhor situação para a criança,
e aqueles que se envolvem num conflito que muitas vezes dura o resto das suas
vidas, invertendo valores e princípios que até aí tinham sido defendidos para a
educação da criança, numa lógica de “faz o que eu digo e não faças o que eu
faço”.
Agora
o desafio que nos colocamos tem um novo enfoque colocado na capacidade de gestão desse divórcio e da
capacidade dos progenitores manterem uma ideia de educação e de princípios para
os filhos que vão para além do seu próprio relacionamento enquanto casal. A
evolução, do ponto de vista do amadurecimento do casal, para esse estádio
pós-divórcio, é decisiva para a qualidade da infância e da juventude.