1 de julho de 2015

A Verdade é Amor *



*Virgílio Ferreira

A partir do momento em que nos tornamos pais, ou avós, ou tios, ou padrinhos a nossa principal prioridade é proteger as crianças que amamos. Procuramos a todo o custo evitar que caiam, que tropecem… que se magoem. Procuramos evitar a todo o custo que tenham medo, que se sintam tristes ou sozinhos… que se magoem. Para isso seguramos-lhes a mão, desviamo-nos dos obstáculos e seguramos os seus passos mais inseguros. Para isso damos beijinhos, estamos presentes, protegemos... e mentimos. Por vezes mentimos. Por vezes achamos que para proteger as nossas crianças do sofrimento o melhor é que não saibam o que está a acontecer, que não conheçam a realidade mais dolorosa por que a família está a passar, porque são crianças e não queremos que sofram. Eles não entenderiam. Se não lhes contarmos eles não perceberão e, por conseguinte, não sofrerão. Mas a verdade é que a verdade é única forma de os protegermos e de lhes proporcionarmos um ambiente seguro para crescerem. 
Se os pais chegam à dolorosa conclusão que o seu casamento já não os faz felizes, o primeiro instinto é esperar. O melhor para o nosso filho é que os pais estejam juntos para apoiá-los no seu crescimento. Mas a criança percebe que os pais já não são os mesmos, percebe que os pais não estão felizes e não estão disponíveis para si. A criança sente que estão em sofrimento e quererá perceber o que está a acontecer. Elas vão perguntar, vão querer perceber que tensão é esta que sentem na sua família. 
Quando alguém de quem gostamos morre o primeiro passo é afastar a criança de tudo que tenha a ver com o luto que os adultos fazem. Não nos deverá ver chorar, não deverá estar presente no funeral, não deveremos falar da pessoa que faleceu e tentaremos a todo o custo que a criança não sinta, não sofra com a morte de quem ama. Mas a criança vai ver-nos tristes, vai, provavelmente, ver-nos vestir de outra cor, vai também ela sentir saudades de quem partiu, vai querer entender o que sente. 
As dúvidas surgirão, as perguntas de resposta difícil ou quase impossível vão aparecer de repente e não saberemos que fazer. Como poderemos nós dizer a verdade a uma criança? O que deveremos responder a questões que, nós sabemos, estão relacionadas com momentos menos bons das suas vidas? Como ampará-los nestas aprendizagens?
Com a verdade. 
Com a noção de que em momentos difíceis toda a família precisa de ajuda, de amparo, de carinho e solidariedade. Precisamos da sensação de conforto e segurança que a verdade, que a partilha, que a união nos proporciona. A verdade de sentimentos, de palavras e ações. Claro que uma verdade adaptada à capacidade de compreensão que a idade da criança permite, mas a verdade que nos una enquanto família. 
Comunicar com tranquilidade, com cuidado, com carinho e com amor a verdade que as crianças possam compreender e que necessitam para se sentirem seguras e amparadas pelas pessoas que ama. Na verdade os pais estão a separar-se. Na verdade decidiram que seria melhor para eles viverem separados um do outro. Mas a verdade é que nunca deixarão de amar a criança, que nunca deixarão de fazer parte da sua vida e que a acompanharão em todas as fases do seu desenvolvimento. A verdade é que a culpa não é da criança nem terá que “escolher” um progenitor em detrimento do outro. Ambos amá-la-ão como antes e estarão sempre disponíveis para conversarem e responder às perguntas que a criança tiver. A verdade é que a organização das suas vidas vai mudar e que todos terão que adaptar-se à nossa realidade, mas unidos em torno do amor que sentem uns pelos outros conseguirão perceber a melhor forma de avançar. Em família e unidos. É importante que a criança não se sinta excluída das decisões e acontecimentos do quotidiano da sua família, que se sinta importante, relevante, membro efectivo da família e isso atinge-se com a partilha do que sentimos, pensamos e planeamos para nós e para as crianças que amamos. 
Infelizmente também é verdade que perderemos pessoas que amamos ao longo da nossa vida. As crianças perceberão quando o avô ou o tio ou o amigo chegado da família falecer e perceberão a nossa profunda tristeza. Também elas a sentirão. Também sentirão saudades, também quererão voltar a vê-los, também não saberão o que fazer nestas ocasiões. Não podemos impedi-las de se despedirem das pessoas que amam, querendo a todo o custo que não tenham contacto com a dor dessa perda. É preciso compreender que permitir que as crianças experienciem a dor, a dúvida, a perda significa dotá-los da capacidade para lidarem com esses sentimentos na idade adulta. 
É através da verdade que lhes daremos confiança para lidarem com os seus sentimentos e pensamentos ao longo das suas vidas. A verdade é que aquela pessoa que amamos faleceu e temos que explicar isso à criança. Na verdade não voltaremos a ver aquela pessoa, ou a falar com ela ou saltar-lhe para o colo para ouvir as suas histórias ou receber os seus carinhos. A verdade é que (de acordo com aquilo em que cada família acredita) aquela pessoa tornar-se-á numa estrela que brilha no céu ou irá para junto de Deus ou fará parte da Natureza. A verdade é que não estará connosco fisicamente, mas permanecerá eterna nos nossos corações. 
A verdade é que a criança, como nós, poderá querer despedir-se de quem ama e poderemos ponderar, caso a criança o solicite, em proporcionar-lhe esse momento. Talvez possamos permitir que vá ao velório (não ao enterro), explicando que será um momento em que as pessoas estarão tristes, poderão estar a chorar e que é normal que a criança se sinta triste também. Explicar-lhe que o avô ou o tio parecerá que está a dormir, mas na verdade, e infelizmente, ele não poderá voltar a brincar consigo, não voltarão a conversar nem a ir passear ao jardim. Aquela pessoa ficará guardada no seu coração e na sua memória, envolta pelo amor que os unia. A verdade é que não o esqueceremos, não deixaremos de falar naquela pessoa nem nos bons momentos que passámos em família. A verdade é que fará sempre parte da nossa família e das memórias que vamos construindo e que vão definindo a pessoa em que nos tornamos. 
Virgílio Ferreira escreveu um dia que a “verdade é amor (…) porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pode esquecer”. A verdade do amor, da união, duma partilha sincera do que sentimos e de quem somos.
É na infância que se projetam os adultos e é na família que aprendemos a relacionar-nos com o mundo, com os outros e connosco. O amor será a pedra basilar do nosso crescimento, mas uma comunicação cuidada, tranquila e que consiga acompanhar as dúvidas que cada idade nos coloca será a expressão desse amor em cada pedacinho das histórias que vamos escrevendo.
A verdade é amor...