4 de fevereiro de 2015

À procura da felicidade: uma visão da psicologia humanista

"As pessoas não deveriam preocupar-se tanto
 com o que irão fazer e mais com aquilo que são" 
Mestre Eckhart

Tem sido amplamente difundido que a crise económica e financeira levou a um aumento das doenças mentais, designadamente patologias de ordem depressiva e ansiosa. Aumentou, com isto, o consumo de antidepressivos e ansiolíticos, bem como o consumo de substâncias psicoativas como o álcool e outras drogas.
 A crise de valores morais e éticos tem sido apontada como estando associada a este ambiente e justificando alguns dos comportamentos violentos, quer em jovens quer em adultos, que se pensa terem vindo a agravar-se.
O trabalho de psicólogos humanistas, como Fromm ou Rogers, produzido ao longo da segunda metade do século XX, permite-nos reflectir sobre algumas destas questões à luz da psicologia.
O modelo social em que vivemos aponta como sentido fundamental da vida moderna, a procura da felicidade o que tem sido visto como sinónimo da satisfação de todos os desejos. A ideia de que colocar o prazer acima de tudo, torna-se perigosa, porque significa que as decisões que tomamos serão assentes num certo egoísmo. Este pensamento traduzido ao concreto supõe uma exploração do prazer imediato, criando pessoas mais impulsivas e com dificuldade em adiar as necessidades de curto prazo. Tornamo-nos assim e criamos os nossos filhos assim, incapazes de lhes negar algo com medo que isso os traumatize.
Nessa lógica, a forma como procuramos a felicidade, imediatista, inadiável e desenfreada, tem o efeito perverso de nunca poder atingir o objectivo, ficando sempre à mercê de uma nova necessidade.
Este modo de viver, baseado no Ter, de acordo com as teorias de Erich Fromm, manifesta-se quer na necessidade de posses materiais, mas mais gravemente na posse dos outros seres. Com ou sem posses materiais vemos todos os dias pessoas que procuram dominar o seu cônjuge, os seus filhos e até os seus animais.
Quando este sistema falha, quer porque o rendimento disponível não permite acompanhar os desejos imediatos, quer porque os que desejos imediatos de uns colidem com os de outros, deparamo-nos com a frustração e um enorme vazio, que muito rapidamente se pode transformar em violências várias, dos maus-tratos à violência doméstica.
É quando se perde a sensação de controlo que encontramos frequentemente sentimentos de raiva, medo, depressão, desamparo, desespero. Aquilo que desejamos, quando nos deparamos com a situação actual é que a crise passe para podermos recuperar rapidamente aquilo que tínhamos e voltar à vida que tínhamos.
A proposta, no entanto, poderia ser uma mudança de paradigma para uma cultura mais baseada no Ser. Aquilo que somos, enquanto pessoa com uma vivência experiencial e relacional, e não naquilo que temos ou não.
Por exemplo, ter um filho é diferente de ser pai. Quem tem um filho, estará sujeito às frustrações de quem não conseguiu dar ao filho tudo o que queria ou fazer do filho aquilo que pretendia e neste conflito, pelo menos uma das partes sairá frustrada porque o seu desejo não se concretizou. Ao invés, ser pai, ao pôr a tónica na experiência construtiva significa cuidar, amar, e ajudar a crescer, nunca envolverá perdas, mesmo que a vida crie desencontros, porque todas as experiências contribuem para enriquecer a sua história de vida. 
Este modo de estar na vida mais autêntico foca-se naquilo que se pode oferecer ao outro, na experiência de vida, na sabedoria, e como tal a pessoa define-se por aquilo que é e que tem para oferecer e não apenas por aquilo que possui ou pode controlar. Este modo de viver tem como pilares a independência, a liberdade e o sentido crítico. Como diz Carl Rogers, procurar ir para além das fachadas, para além da ideia do dever, para além do que os outros esperam, para além de agradar aos outros, procurando uma direcção para si, para uma abertura à experiência, para uma aceitação dos outros e de si mesmo.
A procura do ser humano poderá muito bem ser a felicidade, no sentido em que esta represente o bem-estar e a paz consigo próprio, com a sua história e com os que o rodeiam, e não tanto a avidez de possuir, dominar, de ser escravo dos desejos e das necessidades que lhe tentam incutir.
Por isso, e como já aqui escrevemos anteriormente, mudar a forma de viver, embora por vezes se torne imperativo, pode ser assustador, e aquilo que procuramos fazer, ao fornecermos ajuda psicológica, é que a pessoa possa alcançar uma mudança de longo prazo que lhe permita o seu bem-estar. Requer tempo e compromisso, conceitos que por diversas razões não se coadunam com o imediatismo e constante urgência que imperam na sociedade. Cabe-nos a tentativa de criar esse espaço de mudança sob pena de continuarmos a medir a nossa felicidade pelos indicadores económicos.