31 de março de 2008

O PSICÓLOGO NO APOIO DIRECTO ÀS VITIMAS DE CRIMES

A intervenção, no local, e num curto espaço de tempo após o crime, de psicólogos com formação especializada na área da vitimologia e dos comportamentos desviantes, torna-se particularmente relevante, quer para a prevenção das perturbações emocionais e comportamentais, em vítimas e em testemunhas, quer para a prevenção do desgaste emocional e profissional na própria equipa técnica.
As circunstâncias do crime e a cena do crime irão determinar quando e como as primeiras respostas irão ser dadas às vítimas. Cada crime, cada cenário de crime, é diferente e requer que os membros da equipa saibam quais são as prioridades no desempenho das suas tarefas.
Por exemplo, se o crime está ainda a ser investigado, ou se as provas ainda estão a ser recolhidas, ou se a investigação de um crime precisa de ser bastante morosa, os agentes policiais e a equipa médica podem não estar preparados ou não ter as circunstâncias ideais para dar a sua atenção imediata às vítimas.
Os agentes da polícia têm a seu cargo muitas tarefas, inclusive avaliar os cuidados de saúde; determinar os factos e as circunstâncias; aconselhar/informar outros membros da equipa e reunir e distribuir informação acerca do suspeito. Enquanto psicólogos e elementos integrantes da equipa, ocupamos uma posição única na ajuda às vítimas na gestão da situação traumática imediata e no apoio para que restabeleçam a sua sensação de segurança e o controlo sobre as suas vidas.
O trauma e a experiência dolorosa dos sobreviventes podem causar disfunções emocionais e psicológicas que duram para o resto da vida da pessoa. Das três causas de morte violenta (homicídio, suicídio ou acidente), o homicídio poderá ser o que causa um impacto mais intenso.
Existem conhecimentos clínicos cientificamente comprovados, que indicam que após uma morte por homicídio, os membros da família da vítima, estão em risco de desenvolver, de forma grave e intensa, reacções psicológicas graves. Uma equipa de especialistas ao desenvolver um serviço apropriado e sensível que vá de encontro às necessidades mais urgentes desta população, só irá exacerbar as suas capacidades e aumentar as competências individuais para conseguirem lidar com eventos traumáticos.
A necessidade de uma equipa com serviços especializados, torna-se ainda mais evidente nos âmbitos da prevenção e tratamento. São necessários serviços especializados para providenciarem assistência a famílias e a outro tipo de intervenientes e/ou testemunhas, num curto espaço de tempo, logo após o crime. É positivo iniciar o trabalho psicológico no próprio local do crime, pois é lá que se encontram os “sobreviventes”, ou seja, os familiares directos e/ou amigos.

Quais seriam então os objectivos do apoio psicológico directo?- Compreender e conhecer as necessidades das vítimas de crimes;
- Dar respostas às questões que emergem durante o contacto inicial entre a equipa e as vítimas.

Quais os benefícios deste apoio psicológico directo?
- Validar a forma como as vítimas irão “lutar” na crise iminente e, mais tarde, na sua recuperação;
- A primeira resposta dada às vítimas irá influenciá-las de forma determinante, bem como na sua subsequente participação na investigação e no seu testemunho para a resolução do crime;
- As vítimas que tiverem uma experiência positiva com as “forças da lei” estarão mais aptas a relatar futuras agressões e/ou delitos.

Dessa forma, a integração de psicólogos poderá proporcionar uma ajuda imediata às vítimas, quer ao nível dos processos de gestão da “crise”/situação traumática e da reorganização emocional e cognitiva, necessários ao restabelecimento da segurança e do sentimento de controlo sobre as suas vidas - potenciando as suas capacidades e as competências individuais para lidar com eventos traumáticos -, quer ao nível do apoio ao testemunho, elemento frequentemente essencial para a prossecução da investigação criminal.

NEIP – Núcleo de Estudos e Intervenção Psicológica psivrsa.blogspot.com
(Dorisa Peres, Eduardo Coelho-Moos, Patrícia Santos, Pedro Costa, Sílvia Cardoso, Sofia Ferreira, Teresa Moos) psivrsa@gmail.com
Divisão de Acção Social - Câmara Municipal de Vila Real de Santo António

18 de março de 2008

Medos e Medo


Costumo dizer que o nosso corpo é constituido por 70% de água e 30% de medo, isto porque o medo é parte constituinte de todos os orgãos, principalmente da pele e o resto é água. Sem qualquer desprezo pela água pois que me soa às tonalidades misteriosas dos seres aquáticos ondulantes.
De aquáticos temos pouco e de ondulantes muito menos, basta olhar os nossos congéneres, a passear-se ou apressados, seja na rua, seja nas repartições. A rigidez ou os esgares, o ritmo ou a falta dele trai-os e mostra o medo de que são feitos.
A utilidade do medo é inquestionável: propõe defesas, resguarda e principalmente oferece a oportunidade da coragem. É preciso ser-se corajoso para se ser humano.
Chegada a conclusão que medo e coragem são indissociáveis admite-se imediatamente que cada passo, cada olhar de manhã para o espelho pressupõe um acto de confronto digno de respeito porquanto representa um acto de coragem. Se o passo mostra a tenacidade do movimento contra aquilo que os outros pretendem em nós denegrir, o olhar no espelho tem de recusar as coisas negativas que dizemos a respeito de nós próprios.
De facto, sejamos nós ou os outros, urge, a cada momento, combater aquilo que nos faz mal, magoa e mete medo. E o medo principal é que deixemos de nos reconhecer, que nos tornemos qualquer coisa de outro, diferente daquilo que desejamos ou ambicionámos, sonhámos. E passemos a ser aquilo que os outros querem. E ponto final. Se calhar não é um ponto final porque mesmo na cedência, no baixar dos braços existe medo, o de não conseguirmos manter-nos à tona (deve ser esse o único aspecto aquático que temos).
Assumir a fragilidade, reconhecer os limites promete a segurança dos contornos próprios. Por outro lado, equilibrar na balança aquilo que devemos colorir de emocionalidade e o que devemos contar de peso de racionalidade, regula os nossos actos, mostra uma atitude. É a partir daquí que surgem os medos.
O que eu refiro como medos e não já medo são processos defensivos contra a angústia e asseguram uma das possíveis concretizações desta última. De facto a angústia não é palpável, não se consegue falar dela, é um toiro em pontas e ninguém, no seu juizo completo concretiza uma pega dessas.
A incapacidade de afirmação como pegador convicto leva ao surgimento da fobia que, apesar do que dizia um professor meu do terceiro ano da faculdade (as fobias podem representar algum charme – por exemplo, não se conseguir andar sozinho de elevador) pode ser francamente debilitante.
A fobia é então a exacerbação emocional dos medos concretizados num aspecto específico da realidade: espaços pequenos, espaços grandes e multidões, exposição pública, animais, e tudo o que houver passível de meter medo.
É meu hábito, quando alguém me confia uma das suas fobias, tentar sentir, por aproximação o que essa pessoa sente. Uma vez alguém na consulta falou de uma fobia a pombos o que, na altura me custou a compreender vivendo-se numa cidade como Lisboa, infestada por esse tipo de animais. Bastou-me sentar na esplanada da Brasileira no Largo do Chiado, pedir um croissant e esperar para ver quatro ou cinco pombos a degladiar-se com o meu lanche.
Toda e qualquer fobia, todo e qualquer medo é de reconhecer e respeitar, quer pelo seu aspecto angustiante, quer pelo aspecto incapacitante.
É possível, pouco a pouco, reduzir a sensibilidade à situação que provoca a fobia, é perfeitamente possível ultrapassar os medos num processo que obriga, também a pouco e pouco perceber a angústia que está por trás.
Isso permite conhecer-nos cada vez melhor. Talvez descubramos algumas coisas que nos fazem esticar um pouco os limites, gostar das nossas fragilidades e crescer de uma forma plena aceitando escolhos e obstáculos e sentindo-nos melhor por isso. Aí os passos são diferentes porque mais firmes e os olhares ao espelho mais risonhos por nos gostarmos mais.

NEIP – Núcleo de Estudos e Intervenção Psicológica psivrsa.blogspot.com
(Dorisa Peres, Eduardo Coelho-Moos, Patrícia Santos, Pedro Costa, Sílvia Cardoso, Sofia Ferreira) psivrsa@gmail.com
Divisão de Acção Social - Câmara Municipal de Vila Real de Santo António