18 de março de 2008

Medos e Medo


Costumo dizer que o nosso corpo é constituido por 70% de água e 30% de medo, isto porque o medo é parte constituinte de todos os orgãos, principalmente da pele e o resto é água. Sem qualquer desprezo pela água pois que me soa às tonalidades misteriosas dos seres aquáticos ondulantes.
De aquáticos temos pouco e de ondulantes muito menos, basta olhar os nossos congéneres, a passear-se ou apressados, seja na rua, seja nas repartições. A rigidez ou os esgares, o ritmo ou a falta dele trai-os e mostra o medo de que são feitos.
A utilidade do medo é inquestionável: propõe defesas, resguarda e principalmente oferece a oportunidade da coragem. É preciso ser-se corajoso para se ser humano.
Chegada a conclusão que medo e coragem são indissociáveis admite-se imediatamente que cada passo, cada olhar de manhã para o espelho pressupõe um acto de confronto digno de respeito porquanto representa um acto de coragem. Se o passo mostra a tenacidade do movimento contra aquilo que os outros pretendem em nós denegrir, o olhar no espelho tem de recusar as coisas negativas que dizemos a respeito de nós próprios.
De facto, sejamos nós ou os outros, urge, a cada momento, combater aquilo que nos faz mal, magoa e mete medo. E o medo principal é que deixemos de nos reconhecer, que nos tornemos qualquer coisa de outro, diferente daquilo que desejamos ou ambicionámos, sonhámos. E passemos a ser aquilo que os outros querem. E ponto final. Se calhar não é um ponto final porque mesmo na cedência, no baixar dos braços existe medo, o de não conseguirmos manter-nos à tona (deve ser esse o único aspecto aquático que temos).
Assumir a fragilidade, reconhecer os limites promete a segurança dos contornos próprios. Por outro lado, equilibrar na balança aquilo que devemos colorir de emocionalidade e o que devemos contar de peso de racionalidade, regula os nossos actos, mostra uma atitude. É a partir daquí que surgem os medos.
O que eu refiro como medos e não já medo são processos defensivos contra a angústia e asseguram uma das possíveis concretizações desta última. De facto a angústia não é palpável, não se consegue falar dela, é um toiro em pontas e ninguém, no seu juizo completo concretiza uma pega dessas.
A incapacidade de afirmação como pegador convicto leva ao surgimento da fobia que, apesar do que dizia um professor meu do terceiro ano da faculdade (as fobias podem representar algum charme – por exemplo, não se conseguir andar sozinho de elevador) pode ser francamente debilitante.
A fobia é então a exacerbação emocional dos medos concretizados num aspecto específico da realidade: espaços pequenos, espaços grandes e multidões, exposição pública, animais, e tudo o que houver passível de meter medo.
É meu hábito, quando alguém me confia uma das suas fobias, tentar sentir, por aproximação o que essa pessoa sente. Uma vez alguém na consulta falou de uma fobia a pombos o que, na altura me custou a compreender vivendo-se numa cidade como Lisboa, infestada por esse tipo de animais. Bastou-me sentar na esplanada da Brasileira no Largo do Chiado, pedir um croissant e esperar para ver quatro ou cinco pombos a degladiar-se com o meu lanche.
Toda e qualquer fobia, todo e qualquer medo é de reconhecer e respeitar, quer pelo seu aspecto angustiante, quer pelo aspecto incapacitante.
É possível, pouco a pouco, reduzir a sensibilidade à situação que provoca a fobia, é perfeitamente possível ultrapassar os medos num processo que obriga, também a pouco e pouco perceber a angústia que está por trás.
Isso permite conhecer-nos cada vez melhor. Talvez descubramos algumas coisas que nos fazem esticar um pouco os limites, gostar das nossas fragilidades e crescer de uma forma plena aceitando escolhos e obstáculos e sentindo-nos melhor por isso. Aí os passos são diferentes porque mais firmes e os olhares ao espelho mais risonhos por nos gostarmos mais.

NEIP – Núcleo de Estudos e Intervenção Psicológica psivrsa.blogspot.com
(Dorisa Peres, Eduardo Coelho-Moos, Patrícia Santos, Pedro Costa, Sílvia Cardoso, Sofia Ferreira) psivrsa@gmail.com
Divisão de Acção Social - Câmara Municipal de Vila Real de Santo António

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