6 de novembro de 2013

O Conceito de Mãe-Galinha


“É preciso saber olhar para os olhos de uma criança
para saber o que vai na alma
 Torrente Ballester

Sem querer, de todo, exagerar no discurso lamechas, devemos defender ativa e efusivamente a postura inteligente dos educadores que, sendo mães (ou pais), percebem a responsabilidade e missão educativa permanente em acrescentar sempre algo mais, dando um “ar das suas graças”, nos projetos de vida dos seus filhos.
De facto, acredito que todos os pais coerentes, e não batoteiros com essa mesma definição de pais, desejariam possuir uma bola de cristal mágica que lhes transmitisse, vinte e quatro sob vinte e quatro horas, em canal aberto e em detalhe, tudo o que de menos simpático fosse acontecer na vida futura dos seus filhos.
Em seguida, mantendo a mesma coerência de pessoas equilibradas e mentalmente sãs, de certeza que vestiriam a capa de super-heróis, guardada no roupeiro do quarto e sempre bem escondida dos olhares curiosos dos filhos, voando em busca de soluções fantásticas que salvariam os filhos de todos os males. Claro que, na realidade, menos mágica e, quase sempre, mais dura e complexa, tal atuação protetora defensiva e permanente torna-se impossível e sufocante para todos os intervenientes neste filme e “negócio” familiar que define o relacionamento afetivo e sentimental entre pais e filhos.
Contudo, torna-se importante realçar, a conveniência de serem teimosos (peço desculpa, perseverantes) e insistirem, ao longo do tempo, no beijinho de “bons dias” ou o beijinho de despedida quando os deixam na escola, mesmo sendo estes já adolescentes, sabendo que certamente os vai brindar com um “olhar de soslaio” durante uns longos segundos. Convém também não esquecer o telefonema ao meio-dia a indagar se o dia de trabalho corre bem, mesmo que, num desses telefonemas, se apercebam que interromperam uma reunião (pseudo)importante do seu filho.
Se, paralelamente à essência protecionista sempre presente no conceito de educadores “mães-galinhas”, encontrarmos outras duas principais essências como sãos as do Respeito e Dignidade pelos espaços de identidades únicas e diferentes dos seus filhos, acreditamos que os pais poderão “mimar” à vontade. Podemos, assim, concluir que, as crianças mimadas e que são amadas na infância, de certeza que, provavelmente, estarão aptas a amar e educar com mais qualidade na fase de vida adulta e tornar-se-ão, também elas, pais com mais ferramentas e armas pacíficas para conquistarem territórios de afetos e cumplicidades dos seus filhos.

2 de outubro de 2013

O papel do Psicólogo nas escolas


“Poderá o psicólogo tratar estes “alunos-problema”
e devolvê-los à sala de aula, "bem ajustados"?
Sem a escola e sem a família a resposta é "Não"!”


O papel do psicólogo nas escolas suscita muitas vezes dúvidas, tanto nos pais, como em alguns dos profissionais da área da educação, que não estão muito familiarizados com o trabalho destes técnicos. Alguns mitos e conceções desatualizadas estão na base de muitas destas dúvidas e podem chegar a influenciar a acuidade da avaliação e eficácia da intervenção psicológica.
Para tornar mais claro qual o papel destes profissionais é importante começar por falar da legislação portuguesa, onde acompanhar o percurso escolar dos alunos surge como a sua principal função. Este acompanhamento consiste na intervenção pedagógica individualizada, em situações de dificuldade; no apoio aos alunos nas escolhas vocacionais e construção do seu projeto de vida e na adequação das respostas educativas ás necessidades dos alunos.
Por norma o psicólogo educacional é visto como um profissional que intervém na área da saúde mental, em contexto escolar e na maioria das vezes nos casos de crianças com necessidades educativas especiais. Esta pode ser interpretada como uma visão redutora do seu trabalho, mas não deixa de ser uma parte importante das suas funções.
Nestes casos, o que pode o psicólogo fazer por estes alunos com necessidades educativas especiais? Poderá o psicólogo tratar estes “alunos-problema” e devolvê-los à sala de aula, "bem ajustados"?
Sem a escola e sem a família a resposta é "Não". O psicólogo não é o portador de soluções mágicas e de receitas prontas a aplicar para resolver as dificuldades enfrentadas.
Para dar resposta às necessidades educativas de um determinado aluno é importante que, desde o início do acompanhamento, o psicólogo tenha mais em conta do que apenas o comportamento e as caraterísticas dos alunos em causa.
Desde logo, o autor do pedido de avaliação destes alunos - por norma a escola – tem um papel central em todo o processo que se irá desenvolver. Contudo, os encarregados de educação dos alunos, por serem responsáveis pela criança e por definirem o seu contexto familiar, são também indissociáveis do processo inicial de avaliação.
Todos os elementos da vida do aluno são essenciais para a avaliação e para a eficácia da intervenção psicológica, pois os "alunos-problema" são apenas uma parte do problema e como tal, são também apenas uma parte da solução.
Esta forma de abordagem sistémica implica que, durante a avaliação, se procure a informação em todos os contextos em que a criança se insere e com todos os intervenientes. O objetivo passa por determinar os fatores que dão origem e mantêm o problema e encontrar fatores facilitadores e recursos que possam fazer parte da solução.
Esta avaliação por vezes gera algum mau estar nos profissionais e na família que podem considerar que as suas competências estão a ser colocadas em causa e que a sua privacidade está a ser invadida. Nestes casos pode acontecer que estes elementos respondam com alguma hostilidade ao profissional de psicologia ou então que escolham envolver-se o menos possível no processo de avaliação e intervenção.
Em parte, numa filosofia de coresponsabilidade pela intervenção terapêutica e pedagógica, é ao psicólogo que cabe inverter esta perspetiva desajustada que os intervenientes no processo possam ter.
O código ético profissional acautela esta situação na medida em que requer que o profissional de psicologia informe o seu cliente e obtenha deste o consentimento necessário para prosseguir o seu trabalho.
Tornar o conhecimento acerca destas questões mais acessível a todos é essencial para adequar as expetativas das pessoas à realidade do trabalho do psicólogo, aos seus objetivos e às suas competências e princípios éticos. Os direitos que assistem os clientes dos serviços de psicologia em questões tão importantes como a confidencialidade, a privacidade e a informação, são uma condição sine qua non para a prática do psicólogo, desde logo para criar e manter uma relação de confiança com o cliente. O conhecimento dos direitos e deveres, contemplados no código deontológico, é a forma de assegurar aos clientes que, a informação é sempre obtida pelos psicólogos não para invadir a sua privacidade mas para colmatar uma necessidade objetiva e para servir os seus interesses (dos clientes).

Estas são questões que, quando ficam por esclarecer, podem bloquear o processo de avaliação e de intervenção e, sem esquecer que é ao psicólogo que cabe esclarecê-las, é importante lembrar que um papel mais ativo das pessoas envolvidas é um fator que pode ter uma influência determinante na promoção da eficácia da intervenção e na obtenção de melhores resultados que realmente se adequem aos interesses dos clientes. 

4 de setembro de 2013

Síndrome de Burnout




" A minha vontade de dar aulas foi diminuindo
e cada vez me sinto pior (…)
O simples facto de pensar em voltar à sala de aula
provoca-me pavor , um medo terrível…”

A síndrome de Burnout constitui um distúrbio psíquico que se caracteriza por um sentimento muito intenso de tensão emocional. Leva a que a pessoa sinta uma sensação de esgotamento e falta de energia e de recursos emocionais próprios para lidar com as rotinas da prática profissional. Este desgaste profissional presente na pessoa está relacionado a uma vulnerabilidade diretamente ligada a alguns fatores como: a sua idade, o nível de escolaridade e de instrução, a falta de eficácia, instabilidade emocional, pouca resistência ao stress, o facto de ser uma pessoa com tendência para se sentir muito responsável, sem apoio social, com dificuldades em lidar com acontecimentos exteriores a si e com baixa capacidade para enfrentar situações difíceis, sobretudo a tensão no trabalho. Ocorre com mais frequência nos profissionais que têm contacto direto com o público.
A síndrome de Burnout desencadeia uma série de sintomatologia que pode variar nas diferentes pessoas. Os sintomas principais são: desmotivação em relação ao emprego, dificuldades de atenção e concentração, aumento do stress e ansiedade laboral, taquicardia, irritação gástrica, dificuldade respiratória, tremores, hipersudação, inquietude, distúrbios do sono, oscilação de humor, irritabilidade, medo de perder o controlo. Nos casos mais graves podem surgir crises de pânico.  
O Burnout possui várias etapas. Inicia-se com o desenvolvimento de um cansaço psicológico em que se verifica uma perda de energia e entusiasmo. Mais tarde, evolui para uma despersonalização - a pessoa dá respostas frias, monossilábicas, apresenta-se sem vontade e com um atendimento distante relativamente aos clientes, aos doentes ou às pessoas com quem tem de contactar. Numa fase mais avançada da síndrome, revela ausência de realização pessoal, o trabalho não satisfaz as necessidades, passa a ser considerado “pesado”, pouco gratificante, é elaborado de má vontade e com a sensação de que este não tem qualquer valor positivo. Além disso, a pessoa desenvolve ainda uma perceção de si própria cada vez mais negativa, perde a auto-estima e a auto-confiança, torna-se depressiva, com tendência para o isolamento, com a sensação de desespero e de vazio desenvolvendo toda a sintomatologia referida anteriormente.
 Uma vez que a pessoa perde o sentido da sua relação com o trabalho, o tratamento deve passar pelo restabelecimento da situação laboral que foi alterada. Para isso devem-se avaliar os fatores que estão a gerar o stress laboral e valorizar os recursos e as competências pessoais para que a pessoa possa encarar corretamente a situação conflituosa e ao mesmo tempo encontrar respostas adequadas para a enfrentar sempre com o apoio por parte da Psicologia. O acompanhamento psicoterapêutico é muito importante porque para além do referido ajuda a pessoa a encontrar outras formas de realizar o trabalho. Na maior parte dos casos, existe também o tratamento farmacológico. A pessoa pode ainda frequentar sessões de grupo para trocar ideias com outros, conversar com os colegas de trabalho para que se sinta apoiada. A atividade física também é muito valorizada para alivio dos sintomas desencadeados, controlo do stress e sensação de bem-estar.
Para prevenir a doença deve-se ter uma atitude positiva em relação ao trabalho. Como? Mantendo a confiança em si mesmo quando ocorrem fracassos, desenvolver relações positivas para com colegas e para com as pessoas que se atende. Ao mesmo tempo, devem estabelecer-se prioridades entre as tarefas e definir objetivos reais e flexíveis. Ainda, controlar o ritmo de trabalho e usufruir do tempo livre com atividades gratificantes. As responsabilidades laborais devem ser definidas, conhecer-se e controlar toda a sua área de trabalho e, ao mesmo tempo, usar todos os recursos disponíveis. Procurar ajuda sempre que necessário tanto ao nível técnico como emocional, aprimorar as habilidades de relacionamento interpessoal e manter sempre uma atitude de abertura uma vez que pode ser necessário, a qualquer momento, efetuarem-se mudanças no método e ambiente de trabalho. 

Fica como nota importante que deve cuidar de si, uma vez que o cuidado do outro depende do seu cuidado. Lembrar que é importante fazer parte da relação profissional com o cliente mas que esta relação não é a única. A saúde mental e física fazem parte da sua responsabilidade e são muito importantes para um bom desempenho laboral. 

2 de julho de 2013

Exclusão e Discriminação nas Escolas? Há Soluções!


Atualmente tem-se vindo a presenciar nas escolas, um aumento de problemas relacionados com a discriminação, a exclusão, o bullying e o preconceito entre os alunos. Estes problemas influenciam de forma decisiva e marcante a vida tanto académica como pessoal de quem os sofre. Muitas vezes deixam marcas na auto-estima, auto-confiança, sentimentos de vazio, solidão, desesperança, fracasso, descida das notas e em alguns casos, abandono escolar. Torna-se, desta forma, necessário desenvolver nos alunos uma atitude de combate à exclusão, à discriminação, ao bullying e aos conflitos existentes na escola, estimulá-los a mudarem a dinâmica da escola, as suas atitudes perante os outros, mostrando quem são, por detrás dos rótulos e estereótipos e estando disponíveis para conhecer melhor os outros, falando sobre muitos dos assuntos que tornam o dia-a-dia na escola um problema e arranjando alternativas para a resolução desses problemas. Assim, é preciso ajudar os alunos a entender sinais de si próprios, os sentimentos dos outros, ouvir atentamente, comunicar de modo eficaz e respeitar as diferenças, podendo ajudar a prevenir comportamentos de risco, de forma a desenvolver relações sociais que levam a uma vida saudável.
Existem modelos de desenvolvimento positivo que incidem sobre a formação da identidade, a formação de caráter, promoção da saúde e aprendizagem emocional e social. No que diz respeito à aprendizagem social e emocional, esta desenvolve nos jovens competências para reconhecerem e gerirem as suas emoções, compreenderem outros pontos de vista, estabelecerem objetivos positivos, tomarem decisões responsáveis e lidarem eficazmente com situações interpessoais. No contexto escolar, a aprendizagem social e emocional envolve a integração de dois fatores inter‐relacionados – desenvolvimento de competências e ambientes de apoio − a fim de promover um desempenho escolar bem‐sucedido e próprio desenvolvimento dos jovens. Esta estratégia reforça a ideia de que o que aprendemos é afetado pela forma como nos sentimos. Desta forma, aprender competências sociais e emocionais é semelhante a aprender outras competências académicas, uma vez que os efeitos da aprendizagem inicial são aperfeiçoados com o tempo, permitindo aos alunos lidarem com situações cada vez mais complexas no desempenho acadêmico, nas relações sociais e em cidadania. A falta de programas de educação afetiva, acompanhados da falta de estimulação emocional e afetiva no seio familiar, leva à incompetência social e à incapacidade dos jovens para expressarem as suas necessidades e sentimentos de forma eficaz. Assim, para além da importância do reforço destas competências na dinâmica familiar, seria necessário dar-se mais atenção nas escolas aos aspetos emocionais e afetivos dos alunos. Para isso, foi desenvolvida uma ação de sensibilização na Escola Secundária de Vila Real de Santo António, baseada no programa americano “Be the Change”, onde foi possível proporcionar algumas dinâmicas de grupo com uma turma de 10º ano, no sentido de criar um espaço de reflexão onde os alunos puderam estar disponíveis para expressar o que sentem e o que pensam em relação a si e à escola, mostrarem um pouco mais de si e conhecerem melhor os outros, de forma a promover competências de comunicação eficazes, gestão de emoções e de conflitos, comportamentos de maior cooperação, afeto, ajuda e interesse pelos outros. Neste sentido, estas dinâmicas poderão ser úteis para minimizar e até mesmo eliminar problemáticas relacionadas com a exclusão e os conflitos entre pares, promovendo sentimentos e comportamentos de interajuda, cooperação e suporte emocional.
No entanto, é de salientar que o combate a estes problemas não se faz apenas na escola. Este é um trabalho que deve ser desenvolvido, principalmente pela família, devendo esta oferecer-se como modelo de identificação e ter uma atitude de promoção do diálogo e reflexão sobre aspetos como a “normalidade da diferença”, onde reflitam sobre a ideia de que as pessoas diferentes não devem ser motivo de gozo ou de exclusão.

4 de junho de 2013

Os Medos na Infância


No passado dia 30 de Abril realizou-se na Escola EB1 Professor Caldeira Alexandre uma Formação sobre os Medos na Infância dirigida a uma turma do ensino pré-escolar, com o objectivo de desmistificar crenças em relação aos medos mais frequentes na infância e fornecer estratégias que possam de alguma forma ajudar a resolver esses medos.
            O medo é umas das emoções básicas do ser humano e é parte fundamental do instinto de sobrevivência. Numa situação potencialmente perigosa, o cérebro prepara corpo para dois tipos de resposta: o ataque ou a fuga. A capacidade de sentir medo é inata. Como tal, as pessoas podem manifestar uma certa angústia em relação a algumas situações que não tenham vivido anteriormente, mas das quais tenham tido referência através de sinais e estímulos emitidos por interacção com o meio envolvente. No caso particular das crianças, o medo pode ter uma repercussão negativa na evolução da sua personalidade, podendo gerar insegurança, traumas e fobias, o que não lhes permitirá desenvolver-se adequadamente a nível social.
Todas as crianças passam por períodos de medo. São fases normais que as ajudam a resolver problemas de desenvolvimento. Muitas vezes o medo serve para chamar a atenção dos pais/educadores para esses problemas e para gerar o apoio de que as crianças necessitam. Na infância os medos devem-se sobretudo à sua grande capacidade imaginativa e à tendência a confundir a aparência com a realidade. Estes medos podem ser originados por uma experiência pessoal ou por relatos de experiências negativas de outras pessoas.
À medida que a descrição do medo por parte da criança se torna mais expressiva, mais facilmente vai atingir a imaginação dos pais/educadores e também eles ficam cada vez mais presos ao receio da criança. Com esta reação exagerada, conferem uma espécie de credibilidade a esse receio e fazem com que a criança tenha mais dificuldade em dominá-lo. Se os pais/educadores não se alarmarem e reconhecerem que os medos fazem parte de um processo de aprendizagem, estão em melhor posição para ajudar a criança. Assim, é fundamental conseguir apoiar as crianças no sentido de combater os seus medos, e para tal seguem-se algumas indicações que poderão facilitar esse processo:
- Não promover o medo. Por exemplo, não é aconselhável fazer afirmações do género “se não comeres a sopa o bicho papão leva-te!”;
- Não proteger excessivamente;
- Incentivar a criança a falar sobre o seu medo;
- Ouvir atentamente o que a criança tem a dizer sobre o seu medo;
- Deve ser explicado à criança que aquilo que agora parece assustador e angustiante pode ser dominado, e que à medida que ela crescer aprenderá a vencer o seu medo;
- Utilizar sempre vocabulário que a criança seja capaz de compreender;
- A criança deve ser apoiada nos seus esforços para descobrir formas de dominar os seus medos;
- Pode ser explicado que todas as crianças da sua idade têm medo;
- Conversar com a criança sobre os medos que tinha na idade dela e de como aprendeu a vencê-los;
- Qualquer tentativa que a criança faça para dominar o medo deve ser reforçada. Poderá voltar a referir-se a sucessos anteriores sempre que surjam novos medos.

Existem alguns sinais de alerta na criança que devem ser tidos em conta, por exemplo: sono irrequieto, enurese, inibição, agressividade, birras demasiado frequentes, sonos trocados e tristeza. Caso estes se verifiquem, se for considerado que os medos da criança começam a invadir o seu estilo de vida, se perdurarem por um logo período de tempo (superior a seis meses), ou se afectarem a sua capacidade de fazer amigos, será aconselhável procurar ajuda profissional. Não podemos esquecer que estes medos podem ser a forma de a criança estar a pedir ajuda.
            Por último, visto que os medos vão-se manifestando em alturas previsíveis ao longo da infância, segue-se um quadro resumo que especifica por idades quais os medos mais frequentes nas crianças.

Idade
Medos

0-6 meses
Perda de apoio; ruídos fortes
7-12 meses
Estranhos; alturas; objetos inesperados, repentinos
1 ano
Separação de um dos pais; ferimentos; estranhos
2 anos
Uma variedade de estímulos, incluindo ruídos fortes (aspiradores, sirenes, alarmes, camiões, trovões); animais; salas escuras; separação do pai ou da mãe; objetos ou máquinas grandes; mudanças no ambiente pessoal; crianças desconhecidas
3 anos
Máscaras; escuro; animais; separação do pai ou da mãe
4 anos
Separação do pai ou da mãe; animais; escuro; ruídos (inclusive ruídos à noite)
5 anos
Animais; pessoas “más”; escuro; separação do pai ou da mãe; dano corporal
6 anos
Seres sobrenaturais (por exemplo fantasmas, bruxas); danos corporais; trovões e relâmpagos; escuro; dormir ou ficar sozinho; separação do pai ou da mãe
7-8 anos
Seres sobrenaturais; escuro; acontecimentos dos media (por exemplo, notícias sobre ameaça de guerra nuclear ou rapto de crianças); ficar sozinho; dano corporal
9-12 anos
Testes e provas escolares; apresentações escolares; danos físicos; aparência física; trovões e relâmpagos; morte; escuro


6 de maio de 2013

O Desafio das Competências Parentais



“Se puderes olhar vê, se puderes ver repara”
Livro dos Conselhos - Saramago

No passado mês de Março realizou-se em Vila Real de Santo António, a 3ª edição do curso de desenvolvimento de competências parentais. Porquê desenvolver as competências parentais?
A psicologia tem vindo a compreender, ao longo do tempo, que muitas das problemáticas e necessidades das pessoas não alcançam uma resolução plena numa abordagem individual. Algumas das dificuldades que muitas crianças atravessam deve-se não só às suas características individuais mas devem ser entendidas num modelo ecológico. Este modelo assenta em três eixos, onde as necessidades das crianças se cruzam com as competências parentais e com outros fatores familiares e ecológicos.
Com frequência o olhar dos responsáveis educativos e técnico com intervenção na infância tende a focar-se apenas nas deficiências de desenvolvimento das crianças, ao nível da sua saúde física, da educação, do seu comportamento, do relacionamento com os outros e resumir a isso a sua avaliação da criança, propondo para tal intervenções individuais e planos de intervenção geralmente votados ao fracasso.
Abordar desde logo, as competências parentais e avaliá-las permitirá uma visão mais completa e uma identificação dos eventuais pontos a reforçar numa futura intervenção. As tarefas da parentalidade vão desde os cuidados básicos diários à capacidade de estabelecer regras e fornecer estabilidade à criança, bem como a estimulação e afetividade necessária ao seu desenvolvimento. O desafio para os pais é tanto maior, quanto maiores forem as necessidades das crianças. Vemos com frequência que pais que tiveram sucesso a educar os seus filhos mais velhos se vêm incapazes perante uma criança com uma perturbação de hiperatividade e défice de atenção, ou perante um filho com deficiência.
Naturalmente, quanto maior for o desafio a que os pais estão sujeitos, maiores serão as dificuldades que irão encontrar na tentativa de exercer uma parentalidade positiva.
Daqui surge a necessidade de capacitar os pais através de programas de desenvolvimento das suas competências, apoiando e orientando-os para que possam dar uma resposta adequada às necessidades das suas crianças. Por outro lado, o encontro de pais para debater as suas dificuldades e as estratégias que utilizam permite-lhes perceber que não estão sozinhos e que muitos outros pais atravessam as mesmas dificuldades e podem apoiar-se mutuamente.
Este ponto leva-nos ao terceiro eixo desta abordagem, os fatores familiares e ecológicos: este permite avaliar o sistema familiar e social em que a família se insere, que recursos comunitários existem. Muitos dos planos de intervenção realizados não tem em conta, por exemplo, que a rede de cuidados de saúde infantil é escassa, o que dificulta ou impede o acesso das famílias mais carenciadas aos cuidados e intervenções específicas que a criança necessita. Uma boa parte das crianças com necessidades especiais de saúde ou educação não encontra resposta especializada na sua área de residência ou região. Assim, muitos pais passam ao lado das necessidades dos seus filhos não só por “incompetência” parental ou negligência, mas muitas vezes por falta de recursos comunitários. Por isso, devemos ter em conta nas avaliações que realizamos e nas intervenções que planeamos, aquilo que estamos a exigir às famílias, e aquilo que realmente estará ao seu alcance executar.
    Cabe-nos, enquanto psicólogos, intervir com as crianças, capacitar e orientar os pais, para os recursos existente e possíveis respostas e alertar a comunidade para os obstáculos que existem  no acesso aos serviços de que necessitam


1 de abril de 2013

Os brinquedos e o brincar




“Eu queria ser astronauta, o meu país não deixou.
Depois quis ir jogar à bola, a minha mãe não deixou.
(...)
Oh meu anjo da guarda, faz-me voltar a sonhar,
Faz-me ser astronauta, e VOAR....”
Tim - Voar




Nos tempos que correm, os pais parecem obcecados pelo sucesso escolar dos filhos, o que não é de admirar se pensarmos na competitividade do meio profissional, no desemprego e na sociedade de consumo em que vivemos. A estes fatores podemos acrescentar a quantidade de atividades extracurriculares que as crianças frequentam como forma de desenvolver aptidões necessárias para terem um “futuro promissor”, pais que trabalham muitas vezes até tarde, e quando estão em casa ao fim do dia, crianças que ficam expostas a canais de televisão onde são bombardeadas com uma programação vinte e quatro horas com inúmeros estímulos de consumismo e informações inadequadas e que muitas vezes substitui o lugar do brincar. Este brincar fica quase sempre adiado para o fim-de-semana. E brincar só ao fim-de-semana não é brincar... 


Os pais, muitas vezes sem se aperceberem, e focados neste sucesso escolar para os ajudar a vir a ser alguém, esquecem-se de uma coisa fundamental: as crianças precisam de brincar, de perder horas infinitas a fazer aquilo que realmente lhes apetece e que gostam, mas que muitas vezes desconhecem. Talvez poucos pais saibam o quanto é importante o brincar para o desenvolvimento físico e psíquico do seu filho. Muitos pais têm ideia que o ato de brincar se limita a um simples passatempo, sem funções mais importantes que entreter a criança em atividades divertidas.


A brincadeira tem como função favorecer a autoestima, possibilitar o desenvolvimento da linguagem oral e gestual, ajudar na elaboração dos sentimentos e na construção de regras sociais. Enquanto brincam, as crianças assumem diferentes papéis sociais que podem proporcionar o estabelecimento de vínculos, de relações e uma interiorização de modelos e valores dos adultos. Além disso, a brincadeira possibilita o desenvolvimento da identidade e da autonomia. Ao perceberem as diferentes formas de pensar e de agir, podem comparar aquilo que é seu e aquilo que é do outro, tendo a possibilidade de incluir essas semelhanças e diferenças na construção de sua personalidade.


Os pais deverão ser aqui os elementos promotores desta integração da criança na brincadeira. Surge muitas vezes aqui uma preocupação dos pais em encontrar quais os brinquedos mais didáticos e adequados que podem comprar para os filhos, quais os que os vão fazer ficar mais inteligentes que os outros meninos.


Esta questão é muito simples e sem custos. Uma boa brincadeira não exige nada de muito dispendioso ou sofisticado. Mesmo durante a rotina da vida diária de uma família, existem muitas oportunidades para brincar e estimular o pensamento das crianças e para torná-las mais confiantes (por exemplo na hora do banho podem ser organizadas brincadeiras com brinquedos, bolinhas de sabão, etc.). 


A melhor fonte de aprendizagem são pais dispostos a partilhar experiências com as crianças. Quando os pais passam tempo a brincar com os filhos, eles sentem-se valorizados e têm nesses pais um modelo muito importante para as competências e atitudes que o brincar pode proporcionar: negociação, trocas de vez, limites, tomada de decisões, entre outros. A maneira como os pais reagem às brincadeiras está intimamente ligada ao prazer que as crianças retiram delas.


E quando falamos em brincar com o seu filho, isso significa brincar mesmo, de verdade. Têm que se sentar no chão e mergulhar no mundo das crianças. Têm que ser capazes de brincar com as almofadas, com caixas de cartão, com os dedos, transformar um bocado de madeira num cavalo. Porque mais importante que o brinquedo é o que se pode fazer com ele.


Os pais que sugerirem uma brincadeira ao filho, não devem tentar impor a sua vontade, dizendo-lhe que era mais giro se ele fizesse assim ou assado, ou ainda serem os pais a fazer tudo sozinhos. A criança terá muito mais orgulho nos biscoitos defeituosos que ajudou a mãe a fazer ou na torre pouco equilibrada que fez com as próprias mãos do que uma grande obra de arte, toda perfeitinha, feita pelos pais.


Às vezes os pais “dão” o brinquedo à criança na tentativa de que ele adulto possa brincar. Assim, é o pai ou a mãe que estão a conduzir a brincadeira, zangando-se se a criança descobriu outra forma de jogar ou de brincar que não a que os pais tentaram impor, não permitindo muitas vezes a espontaneidade, a manipulação criativa, a exploração e o prazer.


E não se preocupem se o vosso filho não tem um “quarto-museu”. Ter espalhados cubos, puzzles ou blocos coloridos na hora de brincar são um passaporte para que a criança venha a estar entre os primeiros da turma, pois estes brinquedos para construir estimulam a criatividade da criança, uma vez que se podem transformar em inúmeras coisas diferentes. As crianças têm direito a desarrumar todos os brinquedos (e de seguida arrumá-los à maneira deles).


Os brinquedos com funções muito limitadas, além de pouco apelativos, despertam o interesse das crianças durante muito menos tempo. Uma caixa cheia de areia, uma bisnaga, material para pintar e papel, plasticina e roupas velhas com que possam inventar máscaras e personagens estimulam a imaginação e são muito mais baratos.


É importante ainda que a criança possa brincar sozinha mas também em grupo, preferencialmente com crianças da mesma idade. Assim, ela tem a possibilidade de ampliar a consciência de si mesma, pois fica a saber como ela é num grupo que é mais permissivo, noutro mais agressivo, num que é líder ou noutro em que é liderada. Lidando com estas diferenças, a criança aumenta o seu leque de vivências e de conhecimentos.


Poder brincar é um processo terapêutico, brinca-se com o que não se pode entender, brinca-se para se poder entender melhor e brinca-se para dar novos significados às coisas. Na brincadeira, a criança estimula-se cognitivamente, socialmente e afetivamente. E porque “não há crianças se não houver brincar”.

6 de março de 2013

A mentira nas crianças




“Pinóquio o que aprendeste na escola hoje?... 
…“Ahhh aprendi a ler os números 
e a contar as letras” 
... e o nariz crescia...” 

Todos os dias nos deparamos com algumas declarações que não são verdades mas e quando estas surgem na boca das nossas crianças? O que fazer? Muitos pais envergonhados perguntam sobre a mentira das suas crianças. Sem conseguir-se perceber o que fazer quando esta situação ocorre.

Por volta dos 3/4 anos a criança realiza um investimento na linguagem e percebe que pode dizer tudo. Apos esta fase a criança começa a perceber que também pode dizer o que não é verdade e que tem a capacidade de inventar uma história. É talvez o primeiro contacto que a criança tem com o seu imaginário e quando começa a perceber a diferença entre o que é real e o que é fruto da sua imaginação.

A distinção entre os dois mundos é realizada de forma progressiva, após os 6/7 anos e após a integração dos valores sociais e morais a criança já deve perceber esta diferença.

Nas crianças a mentira reveste-se de dois aspetos a ter em conta: no primeiro a mentira tal como os adultos a conhecem, ou seja, declaração verbal que não é corresponde à verdade, cujo emissor é consciente de tal facto. Por outro lado a mentira como atividade lúdica e efabulação que consiste numa afirmação errónea que se baseia na vida imaginária do sujeito.

Existem vários motivos pelos quais as crianças mentem. Ackerman and Kappelman descrevem 5 tipos de mentira nas crianças: (1) Mentira exploratória onde a criança testa o que há para descobrir no outro lado da verdade; (2) Mentira Protetora, utilizada para evitar castigos. Esta mentira em crianças pequenas reveste-se na forma de negação (“Eu não parti o boneco”) mas, à medida que a criança cresce toma formas mais sofisticadas e até premeditadas; (3) Grande mentira que consiste no exagero (4) Mentira ruidosa que consiste numa chamada de atenção. Nesta situação a criança é consciente de que o interlocutor sabe qual é a verdade mas persiste na sua história; (5) Mentira fantasiosa, que envolve aspetos do imaginário fantasmático da criança que surgem como desculpa ou para serem responsabilizados pelos seus maus atos. 

Em algum momento do seu desenvolvimento todas as crianças contam uma mentira. O problema real coloca-se quando as mentiras passam a fazer parte integrante da vida da criança que as utiliza com frequência. 

Um dos problemas da mentira nas crianças é que esta constitui um dos tijolos onde construída uma série de comportamentos problemáticos, acompanhar outros comportamentos indesejados e reduzir as hipóteses deteção destes comportamentos. Por outro lado a mentira pode também dificultar o adquirir de competências sociais importantes para o desenvolvimento saudável da criança.

Então o que fazer quando temos um pequeno Pinóquio? De seguida propomos algumas ideias sobre a melhor forma de lidar com a mentira nas crianças. 

Seja claro a definir as regras e tenha em sempre a preocupação da criança entender o porque de cada regra.

A mentira faz parte da vida e alguns adultos mentem. Tente explicar à criança que apesar dos adultos também utilizarem mentiras este comportamento não é aceitável; 

Tente conversar com a criança sempre de forma calma e não induzi-la a mentir. Realize perguntas abertas, por ex: em vez de perguntar “O que é que tu fizeste?” Tente perguntar: “O que foi que aconteceu?”; 

Tente não prometer o que não pode cumprir pois este ato permite que a criança desvalorize a mentira e torne-a num comportamento vulgar, da mesma forma os elementos de educação (pais, tios, ..) devem evitar utilizar mentiras à frente das crianças; 

Quando a criança faz alguma asneira tente compreender o seu comportamento conversando com calma e informando com clareza que aquele comportamento não é desejado, propondo sempre uma solução alternativa, se necessário ajude a criança a simular essa solução; 

Quando a criança mente tente perceber o que a levou a mentir se de facto estava confusa ou se estava consciente da mentira e porquê; 

Por vezes a falta de confiança no apoio parental e a rigidez na punição promove que as crianças tentem escapar à mesma, é recomendada uma reflexão sobre os vários momentos em que houve punição da criança o que aconteceu e se foi adequada; 
Dizer que é feio mentir e que a criança é uma mentirosa ou similar não ajuda! Tente explicar as consequências de mentir; 

Após a mentira o castigo ou conversa deverão ser sempre imediatos e, de preferência, com relação à mentira; 

Atenção quando a mentira frequente realiza-se sempre sobre o mesmo assunto ou em determinados momentos. A mentira pode esconder alguma angústia da criança que necessite de um pouco de atenção; 

Cultive o diálogo com a criança. A cada dia o diálogo deve ser promovido através da escuta atenta dos outros e da escuta atenta da conversa da criança. 

Apenas com a promoção de um estilo de vida saudável, calmo e atento o desenvolvimento infantil poderá ser saudável.


5 de fevereiro de 2013

Crise... no conceito de Diagnóstico Psicológico








“…de nada servirão estes conselhos se nós ignorarmos o que é a virtude,
se ela é uma ou múltipla,
se as virtudes são individualizadas ou interdependentes,
se quem possui uma virtude possui também as restantes ou não,
qual a diferença que existe entre elas…”

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'


Se optarmos por separar em dois momentos históricos o conceito de diagnóstico na área da Psicologia como ciência, temos um primeiro tipo – o diagnóstico tradicional – definido numa perspectiva “emprestada” pelas profissões médicas. Este termo refere-se ao esforço para estabelecer as causas ou condições de uma dada doença e à descrição do tratamento apropriado. A doença é geralmente categorizada com uma marca, título, rótulo e a categorização implica o tratamento, sendo este visto como a essência indicadora e apaziguadora da(s) causa(s) do(s) problema(s) do individuo. O processo de avaliação psicológica dever-se-ia fazer no sentido de se procurar uma causalidade interna que por si só explicaria o comportamento perturbado. Este primeiro momento de diagnóstico que consideramos de Tradicional, dura essencialmente até à Segunda Guerra Mundial. Neste preciso período, desenvolve-se uma época de busca por parte do psicólogo de uma identidade, ou seja, a busca de definição das suas competências, do seu papel e imagem face às categorias profissionais afins e mais antigas. Recorre-se aos instrumentos como garantia da prática psicológica, resultando dessa dinâmica, este período corresponder também à denominada “explosão dos testes psicológicos”. No entanto, os instrumentos ou técnicas que se utilizam são um ponto muito frágil para identificar uma profissão.
Este primeiro momento da avaliação tradicional corresponde também ao diagnóstico em que predominam as etiquetas com a aceitação incondicional dos resultados dos testes psicológicos, facto que contribui para a redução do psicólogo à situação de passador de testes. Sendo a etiquetagem um dos aspectos negativos do diagnóstico, esta representa um perigo real, em situações interpretadas como:
·         Quando etiquetamos ou rotulamos um sujeito implicitamente estamos a prendê-lo à sua situação sendo que isto “enterra definitivamente o sujeito numa condição que à partida talvez não fosse irreversível”;
·         O rótulo atribuído tem uma conotação negativa, muitas vezes com efeito semelhante à doença;
·         As medidas terapêuticas que são muitas vezes mais discriminativas do que integrativas. A própria etiquetagem justifica medidas discriminativas que reforçam a manutenção do sujeito numa situação diferente sendo que este perigo aumenta quando se avaliam crianças. As crianças evidenciam uma grande capacidade de plasticidade cerebral e de mudança comportamental, onde parece-nos evidente que a avaliação psicológica das mesmas deve ser extremamente sensível e cirúrgica na conclusão de diagnósticos de carácter permanente, estanque e definitivo.

O diagnóstico tradicional permitiu que o psicólogo fosse considerado como mero calculador de Q.I.s., sendo que este exemplo de prática clínica, diagnóstico baseado unicamente no Q.I., é falseado pois dá-nos uma “quantidade” de inteligência que não tem muita preponderância e efetividade com a qualidade desta, nem com as variáveis presentes na sua obtenção e maturação.
Poderemos ver um segundo momento conceptual da avaliação psicológica definindo esta como uma dinâmica de avaliação do comportamento do indivíduo como parte integrante da intervenção com o mesmo, devendo manter-se uma interação harmoniosa e coerente estes dois processos. Uma vez iniciada a avaliação e, considerando-se possuidor de alguns dados acerca do sujeito, o psicólogo utilizará estes como ponto de partida para um melhor conhecimento daquele. A avaliação psicológica e consequentes conclusões diagnósticas passam a ser um processo continuamente reformulado pelo feedback estabelecido com o indivíduo, adequando-se cada vez mais à realidade deste e modificando-se face aos seus progressos. À medida que as avaliações se tornam mais diferenciadas e mais definidas, promovem-se conceitos interventivos mais fidedignos de alcançarem verdadeiras respostas terapêuticas em conveniência do bem-estar do individuo. Surgem, por outro lado, conceitos com conotações negativas menos intensas. A recusa da etiquetagem na psicologia traduz-se também no deixar-se de utilizar “obsessivamente” o termo de diagnóstico e passar-se a uma disciplina de avaliação psicológica funcional e apaziguadora de rótulos clínicos.
Em Psicologia existe pois a necessidade de se estudar as modificações e dificuldades de comportamento cognitivo e ambiental, existindo um crescente interesse para com os aspectos positivos – o que é mobilizável no sujeito – ou seja, com o que é possível e construtivo mudar nele. Para o efeito impuseram-se melhorias de rigor científico na utilização de instrumentos de avaliação psicológica e uma maior interação de modelos teóricos (revisão profunda dos modelos e suas metodologias); aperfeiçoamento das técnicas de entrevista e de avaliação informal; e a avaliação ecológica.
Na psicologia moderna e atual, talvez seja interessante criar-se um desassossego constante e permanente nesta discussão clínica sobre a dinâmica de avaliação psicológica, de modo a que ela tenha sempre no seu horizonte a necessidade de um saber científico cada vez mais humanizado e multifacetado que promova respostas às afecções e conflitos psicológicos da sociedade do presente.  

3 de janeiro de 2013

A Dislexia


A Dislexia caracteriza-se por uma dificuldade na aprendizagem e automatização das competências de leitura e escrita, em crianças inteligentes, sendo a sua origem neurológica. Encontram-se identificadas as regiões cerebrais responsáveis pelas alterações psicolinguísticas observadas nas crianças com dislexia. Essas regiões localizam-se no hemisfério esquerdo do cérebro e apresentam uma menor activação das áreas cerebrais responsáveis pela descodificação fonológica, leitura e escrita.
As crianças com dislexia revelam muitas dificuldades em adquirir e desenvolver o mecanismo da leitura e da escrita, com diversas incorrecções, erros e trocas de letras e sílabas, e dificuldade na compreensão da informação lida. A sua escrita surge com muitos erros ortográficos, as frases e os textos que escreve são confusos em termos de conteúdo, com pouca riqueza no vocabulário, podendo a qualidade da sua letra ser igualmente má e irregular.
Apesar destas dificuldades, as crianças disléxicas apresentam uma capacidade intelectual normal ou superior à média, podendo evidenciar capacidades acima da média em áreas que não dependam directamente da leitura e escrita (arte, desporto, música, etc.).
Os primeiros sinais:
·      Começou a falar mais tarde ou apresentou problemas de linguagem durante o seu desenvolvimento.
·      Na leitura troca letras ou inventa palavras ao ler um texto.
·      A sua leitura é bastante lenta, silábica, esforçada e inadequada para a idade.
·      Não gosta de ler e escrever, distraindo-se com muita facilidade.
·      Os resultados escolares não são condizentes com a sua capacidade intelectual, ocorrendo uma grande oscilação do rendimento escolar ao longo dos dias, etc.
As principais dificuldades:
·      Leitura silábica, hesitante, com bastantes erros e incorrecções.
·      Confusão e trocas de letras ou sílabas com diferenças subtis de som ou de grafia (o-u; p-t; b-v; s-ss-ç; s-z; f-t; m-n; f-v; g-j; ch-x; x-z-j; nh-lh-ch; ão-am; ão-ou; ou-on).
·      Omite ou adiciona letras e sílabas durante a leitura (famosa-fama; casaco-casa; livro-livo; batata-bata; biblioteca/bioteca).
·      Inversões parciais ou totais de sílabas ou palavras (ai-ia; par-pra; sal-las; ra-ar)
·      Velocidade de leitura bastante lenta para a idade e para o nível escolar.
·      Dificuldades na compreensão de textos lidos.
·      Escrita com muitos erros ortográficos.
·      Dificuldades em exprimir as ideias e pensamentos na forma escrita, défices na construção frásica e na organização das ideias no texto.
·      A qualidade da grafia poderá ser deficitária: letra rasurada, disforme e irregular, tornando os seus textos escritos quase ilegíveis, etc.
Repercussões da Dislexia
As repercussões da dislexia são muitas vezes consideráveis, quer ao nível do sucesso escolar, quer ao nível do comportamento da criança e as reacções mais características são:
·      Reduzida motivação e empenho pelas actividades que implicam a mobilização das competências de leitura e escrita, o que por sua vez aumenta as suas dificuldades de aprendizagem.
·      Sintomatologia ansiosa perante situações de avaliação ou actividades que impliquem a utilização da leitura e escrita.
·      Sentimento de tristeza e de auto-culpabilização.
·      Reduzida auto-estima e auto-conceito académico.
·      Sentimento de insegurança e de vergonha como resultado do seu sucessivo fracasso.
·      Sentimento de incapacidade, de inferioridade e de frustração por não conseguir superar as suas dificuldades e por ser comparado com os demais.
·      Problemas comportamentais caracterizados por comportamentos de oposição e desobediência, hiperactividade, défice atencional, etc.
·      Outras problemáticas poderão estar presentes como seja a enurese nocturna, perturbação do sono, sintomas psicossomáticos, etc.
Caso identifique algumas destas dificuldades no seu filho é importante recorrer a uma avaliação para despiste de uma eventual dislexia, uma vez que quanto mais cedo ela for detectada mais fácil será a sua reeducação, permitindo minimizar grande parte das suas consequências futuras.