14 de junho de 2008

“Era uma vez um bebé”


O bebé imaginário e o bebé real

A gravidez é um período no qual ocorrem mudanças significativas na vida de uma mulher, é a passagem do estatuto de filha à responsabilidade inerente ao papel de mãe. Enquanto filha, durante a infância, as meninas vivenciam desde muito cedo o desejo de ser mãe, que se manifesta através do jogo simbólico tão comum, como o “brincar às bonecas”.
Ao longo do seu desenvolvimento, a menina vai crescendo e ultrapassando diversas fases no seu “futuro papel de mãe”. Primeiramente, enquanto criança, acede à construção de uma imagem mental, um conjunto de desejos e expectativas que se assemelham totalmente à imagem de si mesma. Na fase da adolescência, surgem as fantasias, as qualidades e características de um bebé que vai adquirindo as suas próprias particularidades e começando aos poucos a afastar-se da ideia infantil de um clone de si mesma. Chegada à fase adulta, o bebé assume para a futura mãe, uma definição autónoma, independente do modo como essa mãe se define. Todas estas fases vão ser reactivadas e revividas durante a gravidez, na fase adulta.
Desde os primeiros dias de gravidez, é estabelecida uma relação imaginária com o feto: a representação que a mãe faz dele não é a de um embrião em formação, mas sim de um corpo imaginado já desenvolvido, com todas as atribuições que são necessárias a um corpo completo e saudável.
Podemos caracterizar três fases distintas na mente materna, que se vão alterando consoante o desenvolvimento da gravidez. São estas: o bebé edipiano, o bebé imaginário e o bebé real. O bebé edipiano resulta da própria história infantil da mãe, e é por isso considerado o mais inconsciente de todos, acarretando desejos infantis da mulher. O bebé imaginário vai sendo construído durante a gestação, sendo o bebé dos sonhos diurnos e expectativas, o produto do desejo de maternidade. Finalmente, o bebé real, o que a mulher irá segurar nos braços no dia do nascimento, sendo que as expectativas e desejos imaginados serão, ou não, correspondidos.
A mãe necessita de personificar o feto para que, na hora do parto, não se encontre com um ser completamente estranho a ela (Brazelton e Cramer, 1992). A personificação vai sendo construída com a escolha do nome do bebé, a compra das roupas, a preparação do quarto, atribuição de características aos movimentos fetais, imaginando como o filho será.
As representações sobre o bebé imaginário assumem um papel fundamental no futuro vínculo que se vai criar entre a mãe e o seu bebé: é no encontro das características inatas do bebé real, e das expectativas, características e fantasias que a grávida tinha para ela própria enquanto futura mãe e para o seu futuro filho, que um novo sujeito surge.
A imagem que a mãe cria do bebé tem como base, por um lado, os desejos e necessidades, e por outro, a percepção dos movimentos, das actividades e dos tipos de reacção que o feto vai tendo (Brazelton e Cramer, 1992). Assim, a mãe vai-se preparando para a violência da separação anatómica; a adaptação de um bebé específico; um novo relacionamento que combinará as suas próprias necessidades e fantasias às de um outro ser.
A mulher vivencia o processo de gestação de um modo peculiar: ora de uma forma feliz, expectante, segura pela concretização de um desejo arcaico, ora de um modo assustado, ansioso e receoso, pela criança que há em si, que não se sente preparada para encarar e assumir a responsabilidade que se aproxima a uma velocidade galopante: o fim dos 9 meses. Este texto refere-se exclusivamente à figura feminina, a mãe. Contudo, é de referir que o papel desempenhado pelo pai tem assumido cada vez mais preponderância, assumindo deste modo, uma importância fundamental neste projecto de criar uma nova vida. Ficará adiado um artigo dedicado exclusivamente ao tema.


“Tu eras também uma pequena folha que tremia no meu peito.O vento da vida pôs-te ali. A princípio não te vi: não soube que ias comigo,até que as tuas raízes atravessaram o meu peito, se uniram aos fios do meu sangue,falaram pela minha boca,floresceram comigo.”
Pablo Neruda



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