17 de março de 2010

Histórias de Vida


No fundo é disso que se trata, histórias de vida, de cada vida partilhada, contada em frases, imagens imaginadas. A psicoterapia é tão só isso. É essa enorme tarefa.

A partir da linguagem, comum porque o olhar do terapêuta assim o permite, apetecia dizer sem mácula, parte-se para um qualquer caminho, o caminho escolhido por quem conta a história. Este aspecto imaculado do olhar e consequentemente da palavra tem origem na técnica que impossibilita o preconceito. Imagine-se um espaço sem preconceitos, sem julgamentos, tendencialmente congruente. Um lugar assim parece feérico, perfeito mas é essa a vontade dos intervenientes e se é essa a Vontade (agora maiúscula) consegue-se, pois que é sinónimo de evolução.

Quando iniciei o meu percurso profissional comecei por estagiar num hospital psiquiátrico onde contactava com doentes marcados por um futuro impossível. Fosse genético, fosse traumático ou fosse lá pelo que fosse, o termo “nada” representava o prognóstico. É claro que na minha posição incipiente o mesmo termo representava igualmente as minhas possibilidades de intervenção.

Quando, aos poucos, foquei o meu olhar ainda imberbe em cada um e procurei resposta num gesto, num som, num riso, muito a medo descobri pessoas em vez de doentes e encontros em vez do meu eterno “nada”.

Daqui parti para os de futuro possível que afinal são todos porque todos têm uma história para contar. Tenha a vida doze anos, tenha a vida oitenta, o seu conteúdo é rico de peripécias, de emoções e sentimentos. É essa importância que que se deve reconhecer.

À história de vida de cada um de nós deve ser dado o lugar universal que merece e é esse espaço que é dado no acompanhamento psicológico. Por uma vez não se é reduzido à história dos outros que geralmente estão mais preocupados com a sua do que com a nossa apesar de termos coisas para dizer. É a insuficiência dos estares diários que levam a pessoa a procurar ajuda, aliás porque o estar torna-se muitas das vezes ser e o pior é que não nos reconhecemos nesses contornos.

Pediu-se ajuda e quase sem se saber como, começa-se a contar uma história, aquela que vale, percepcionada de dentro, vista por dentro, pelas entranhas. A pouco e pouco entre as lágrimas das coisas feias, a gargalhada da caricatura e os risos das memórias boas começa-se a delinear uma linha de continuidade saudável, desfazem-se nós.

A intimidade da consulta permite, como num laboratório, fazer experiências de novas atitudes, novos comportamentos e necessariamente outros afectos porque melhor dirigidos.

Da história de vida faz-se o balanço e o rumo torna-se outro por decisão do próprio, parte-se para outras dúvidas porque dessas não podemos fugir pois que é essa a nossa condição de adultos. Custa-me tanto explicar isso aos meus adolescentes, informá-los que as dúvidas não desaparecem, antes duplicam mas que isso não é mau, é apenas mais complicado. E que é bom viver. Mas disso terei oportunidade de escrever noutra altura.

Por agora fica o meu gosto pelo que faço em tom de apresentação: quanto mais conheço os cães mais gosto de pessoas.

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