8 de outubro de 2008

Alzheimer



”Tenho 72 anos, meu nome é Maria e o meu companheiro de toda uma vida faleceu há precisamente 1 ano. A dor ainda se mantém viva, mesmo quando os meus próximos mostram-se aborrecidos quando falo dele. Antes de ele falecer, eu repetia com frequência algumas histórias que me aconteciam, principalmente com ladrões, pessoas estranhas que vinham bater à porta, para com esta ou aquela desculpa surrupiarem as minhas posses que, verdade seja dita, não são muitas mas, a televisão onde vejo o folhetim todos os dias e a minha reforma são o meu sustento.

Há uns meses veio cá a minha neta almoçar, eu fico sempre contente quando ela vem, gosto quando a família está por perto as coisas assim parecem mais compostas. Ia fazer bifinhos fritos com batatas fritas, como ela comia sempre que cá vinha mas ela anda com a mania das dietas então quis fazer as coisas ao seu gosto e meti um pargo grande no forno com batatas. Ela chegou, conversamos um bocadinho e sentámo-nos à mesa. Havia qualquer coisa estranha no sabor do peixe. Eu não conseguia diferenciar o que seria… estava bem assado era um bom peixe, fresco, até que ela a medo perguntou: “Avó quantas vezes puseste sal no peixe?” Eu só me lembrei de pôr sal uma vez, mas era verdade o peixe estava salgado!

Outro dia fui à mercearia da Luísa onde vou sempre desde que abriu, quando voltei observei surpreendida que a chave não servia na minha porta, experimentei uma e outra vez, não era possível, até forcei um bocadinho desisti e sentei-me a chorar no vão das escadas, não conseguia perceber o que se estava a passar até que apareceu a minha filha com o meu genro e perguntaram-me que estava a fazer ali e porque não ia para casa. Eu disse que a chave não abria a porta foi então que eles se dirigiram ao andar acima, claro que a chave nessa porta, na minha porta, funcionou!”

O Alzheimer é uma doença degenerativa grave que afecta principalmente mas não exclusivamente indivíduos de idade avançada. A gravidade destas doenças é visível no indivíduo que gradualmente perde as suas capacidades cognitivas: como a memória que apresenta dificuldades em recordar acontecimentos anteriores e dificuldade em memorizar acontecimentos presentes. Surgem complicações ao nível da linguagem, das funções motoras, identificação de objectos e capacidade de execução de tarefas.

“Não sei o que se anda a passar mas há qualquer coisa estranha na forma como me tratam, não me deixam ficar sozinha, acompanham-me quando vou às compras até na cozinha a presença deles é constante. Eu gosto muito que eles se preocupem comigo e façam companhia se bem que parece uma companhia forçada como quando se vigia um prisioneiro. Ás vezes parece que estão a dar-me medicamentos às escondidas para eu não ver, misturados no chá. Há outras coisas estranhas, como quando acordei e estava sentada no quintal ao lado da casota do Snoopy, não sei como fui lá parar e também não contei a ninguém, com vergonha.”

A demência afecta o indivíduo mas também toda a sua dinâmica familiar. Os familiares próximos são obrigados a reconstituírem a sua vida em redor do paciente afectado. É essencial à medida que a demência avança montar um esquema de observação e apoio constante. Uma vez que os pequenos gestos do quotidiano tornam-se grandes barreiras e perigos para o paciente e para os que o rodeiam. Não é raro, mesmo no início da doença o paciente perder a noção do local onde se encontra e esquecer o lugar para onde ia. Estas situações surgem frequentemente em ambientes a que o paciente está habituado como quando vai às compras ao mercado ou ao cabeleireiro. As panelas podem ficar ao lume, torneiras abertas e uma infinidade de situações que pareceriam inofensivas não fossem as falhas nos processos cognitivos que as tornam um perigo eminente.

“Finalmente descobri o que se passa… ouvi os meus filhos a conversarem entre eles, eles pensavam que eu estava no quarto mas ouvi tudo, estavam a decidir se ficavam comigo em casa ou se haveriam de me internar num lar uma vez que essa tal Alzheimer ia ficar comigo de agora em diante. Pelos vistos tem medo de me deixar sozinha e arranjaram-me uma empregada para me fazer companhia e ajudar na limpeza da casa.”

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