5 de setembro de 2008

Viver no Limite: Identidade e Adolescência




A adolescência vive-se no limite. Nos limites do eu, nos limites do outro. A expandir fronteiras. O adolescente saudável é imortal. Não tem medo de morrer. Tem apenas medo de não ser visto. É o momento mais importante da construção da identidade após a primeira infância. Esta fase é decisiva e o adolescente sente-o. Sabe e sente que nesta fase pode mudar o mundo. O seu mundo. A si próprio. Por outro lado está mais sensível aos seus defeitos, às suas deficiências. É o mais vulnerável dos seres humanos. E o mais forte. O adolescente são ousa enfrentar os seus demónios internos, as suas identificações primárias, as representações que os adultos lhe impuseram, as suas obrigações e imposições.

O adolescente tem de construir um corpo novo, de sensações novas, de novos desconfortos. Um referencial diferente. Um corpo que se constrói através do outro, dos seus objectos de amor. Só a partir daí ele pode preencher esse corpo com aquilo que sobra da luta, do pouco que ele aproveita daquilo que lhe tinham dado. É aqui que ele percebe que alguns dos presentes que recebeu na infância estavam envenenados. Está na altura de purgar tudo isso. 

É nesta fase, de equilíbrios psiquícos precários, que o adolescente pode tentar refazer a sua história familiar, a criança que foi e libertar-se das cargas emocionais, das angústias, dos complexos, das dúvidas, para desabrochar numa pessoa mais sã, mais livre. Pode também deixar-se ir e repetir ad eternum aquilo que os outros repetiram nele.

Existe também o adolescente-sombra. Aquele que passa pela adolescência como quem passa por entre as gotas da chuva. Esquivando o encontro inevitável na encruzilhada entre o passado e o futuro. Está orientado, tem certezas, tem um plano para a vida. Este é o adolescente que não dá problemas aos pais, que é um aluno exemplar, que perdeu o comboio dos seus sonhos, em prol duma vida pseudo-adultizada, semi-responsável. Este adolescente está doente. Ele não é mais que o espectro de si próprio. Um adulto precoce, que se hipotecou cedo de mais.

A adolescência tem sido tratada como a zona cinzenta, desvalorizada pela sociedade, pela própria ciência psicológica. É preferível esperar que passe, como uma qualquer doença sazonal, sem lhe mexer muito, do que envolver-se nos dramas e angústias adolescentes. Hoje os nossos gabinetes enchem-se de adolescentes suficientemente saudáveis para estarem confusos, desorientados, e até deprimidos. Muitos chegam pelo seu próprio pé, com um caderno de encargos próprio e a consciência da sua necessidade do resolver. Outros vêm obrigados, empurrados pelos adultos que não lhes reconhecem um espaço físico e mental nas suas vidas, porque eles ousam pisar fora do risco. Ou porque o confronto com os seus comportamentos lhes traz o desconforto como uma aparição do passado.

Socialmente avançou-se no sentido de conceder um espaço, uma moratória psicossocial aos adolescentes. É importante que assim seja. Mas não podemos deixá-los ao abandono e esperar que eles cresçam sós. Devemos vê-los e entendê-los como seres únicos individuais e independentes de nós. Com potencial para mudarem o mundo. O seu e o nosso.

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